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Crise faz vinho Chianti italiano virar produto chinês

Patrícia Araújo

Do UOL, em Roma

20/09/2013 06h00

Uma das regiões mais importantes da Itália, a zona de Chianti, no sul da Toscana, virou palco nos últimos meses de uma imensa polêmica em torno de um dos símbolos mais tradicionais da cultura italiana: o vinho. Em meio à crise que assola o continente europeu e, em particular, a Itália, um dos vinhedos responsáveis pela produção do Chianti Clássico passou para as mãos dos chineses.

Numa negociação cujos valores e o nome do comprador ainda não foram divulgados, a fazenda Casanova-La Ripintura passou a ser propriedade de um empresário da indústria farmacêutica de Hong Kong. O vinhedo é um dos 600 que compõem o Consórcio Chianti Clássico Gallo Nero, que, ao lado do Consórcio Vino Chianti, é o mais importante no controle da produção desse tipo de vinho.

Como esta é a primeira vez que a fabricação da bebida na região passa a ser administrada por um empresário do país oriental, a negociação se transformou em tema controverso entre empresários, economistas e instituições ligadas ao setor.

“Certamente, por um lado, [a venda] dá prazer porque significa que o nome Chianti é apreciado em todo o mundo. De outro lado, porém, causa um pouco de preocupação porque existe um risco de início de invasão de aquisições. É verdade que a história do Chianti é ligada a produtores também estrangeiros, sobretudo norte-europeus e americanos, mas digamos que ficamos um pouco pasmados com o interesse por parte da China”, afirma o presidente da Coldiretti (Confederação Nacional dos Empreendedores Agrícolas, em português) na Toscana, Tulio Marcelli, ele também proprietário de um vinhedo em Chianti.

Venda em Chianti foi chamada de metáfora da Itália

Em seu blog sobre vinhos, Luciano Ferraro, editor-chefe do "Corriere della Sera" (um dos principais jornais da Itália), chegou a classificar a venda em Chianti como uma “metáfora da Itália”, afirmando que os donos de vinhedos vêm sendo prejudicados pelo descaso e impostos excessivos e, empobrecidos, se vêem obrigados a entregar plantios tradicionais a quem fizer a maior oferta.

De acordo com Ferraro, a venda pode ser o primeiro passo para que ocorra na Itália o que aconteceu em Bordeaux, na França, onde cerca de 50 vinhedos já passaram para o “lado asiático”.

Delimitada ao norte pela cidade de Florença, a leste pelas montanhas de Chianti, ao sul por Siena e a oeste pelos vales de Pesa e Elsa, a região do Chianti Clássico é a “zona de origem” produtora de vinho mais antiga da Itália, delimitada por um decreto ministerial em 1932.

Atualmente a produção do vinho é de 35 milhões de garrafas ao ano (80% destinados à exportação), movimentando cerca de 250 milhões de euros.

Para o diretor do Consórcio Gallo Nero, Giuseppe Liberatori, não há motivo para tanta polêmica. ”Não vejo [a venda] como um problema. Significa que nosso território tem um apelo muito particular. Também não é a primeira vez que um estrangeiro compra um vinhedo aqui. São todas pequenas propriedades. Não há nada para se espantar”.

De acordo com o economista Alberto Matiacci, professor da Universidade Sapienza, em Roma, a venda do vinhedo naquela zona causa tanto “impacto no imaginário coletivo” por causa da importância que a produção geral de vinho tem na economia do país.

“É um setor que, hoje, tem um papel muito grande na balança de pagamento italiana. Acredito que, dentro do segmento agroalimentar, está entre os primeiros com saldo positivo. É um setor que tem um impacto complexo sobre a economia porque não podemos esquecer que uma produção de vinho forte significa também um turismo atraente”, afirma Matiacci.

Ele diz não acreditar, contudo, que a negociação ocorrida em Chianti seja o início de uma “invasão chinesa”. “É claro que a leitura superficial pode ser: ‘Oh, Deus! Os chineses estão chegando e comprarão todo o vinho italiano!’ Mas está é uma leitura emotiva. Eu não creio nisso. Eles têm outras coisas a fazer, ao pensar em Itália, do que comprar todas as cantinas de vinho [...] Segundo meu parecer, não há fundamento concreto para alarme.”

A avaliação é diversa daquela feita pelo também professor Claudio Riponi, coordenador do curso de graduação em Viticultura e Enologia da Universidade de Bolonha. Embora não fale em invasão, Riponi afirma que os chineses estão se “avizinhando” cada vez mais ao mundo do vinho.

Prova disso, segundo ele, é que boa parte de seus estudantes hoje são chineses. “Evidentemente o mercado chinês está começando a se orientar para esse setor [vinícola], que tem uma grande importância mundial. Eles começam a ter dinheiro e, evidentemente, passam a se interessar em comprar vinhedos na Itália e na França, antigos produtores.”

China já está entre os maiores consumidores mundiais de vinho

A China é hoje considerada o quinto maior consumidor de vinho do mundo, segundo levantamento feito pela The International Wine Research (IWSR). De acordo com a instituição, a previsão é de que, em 2015, serão consumidas no país oriental cerca de 2,6 bilhões de garrafas da bebida, uma média de consumo de dois litros por habitante.

Outra pesquisa, essa divulgada pela organização internacional Vigne et du Vin, mostra que o consumo de vinho na China aumentou 9% em 2012, atingindo a cifra de 1,8 bilhões de litros. Na Itália, terceira consumidor mundial atrás da França e Estados Unidos, a cifra é de 2,2 bilhões de litros. Vale ressaltar que o aumento na China não se deve somente às importações, mas também a um crescimento da produção de vinho chinês.

A reportagem do UOL tentou entrar em contato com o atual responsável pelo vinhedo Casanova para comentar a compra, mas não recebeu resposta até a publicação desta notícia.