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Algas vermelhas do Nordeste são usadas na produção de cerveja e doces

André Cabette Fábio

Do UOL, em São Paulo

27/09/2013 06h00

Algas não estão associadas a alimentos para pessoas apenas quando se fala em sushis. As algas vermelhas, encontradas na costa do Nordeste brasileiro, são matéria-prima importante de indústrias como a de cerveja e a de doces.

Décadas atrás, a procura por essas algas chegou a acabar com sua ocorrência em algumas das praias onde podiam ser encontradas. Hoje, no entanto, a coleta mais consciente diminui os riscos ambientais. Experiências de cultivo também ajudam a preservar as algas.

A carragena, pó extraído de algumas espécies de algas vermelhas, é usada no processo de clarificação de cervejas, como faz a Ambev. Mestre cervejeiro do Instituto da Cerveja, Alfredo Luís Barcelos Ferreira explica que a carragena facilita a retirada de proteínas que fazem a bebida ficar turva.

Outra substância extraída desse tipo de algas, o ágar-ágar, é usada pela Val Alimentos, de Vista Alegre do Alto (SP), para dar consistência ao marrom-glacê, feito de batata-doce. "O ágar-ágar 'rouba' água do doce e a textura fica apropriada para o corte", afirma Alana Queiroz, técnica de qualidade da empresa.

Quando misturado com água, o ágar-ágar forma uma gelatina sem gosto, que não derrete em temperatura ambiente.

Algas marinhas vermelhas podem ser cultivadas

Apesar de as algas serem normalmente coletadas em recifes de coral próximos à costa, há no Brasil algumas experiências de cultivo.

Uma delas é a da Amar (Associação das Maricultoras de Rio do Fogo), na praia de Rio do Fogo (RN), a cerca de 80 km de Natal. Maricultores são todos os trabalhadores que se dedicam à produção de espécies marinhas, como mariscos, ostras e algas.

A presidente da Amar, Nizia Maria Silva de Freitas, conta que o cultivo de algas vermelhas começou com um projeto mantido pelo governo. "Já apanhávamos e vendíamos as algas, mas agora ficou melhor, porque protegemos os bancos de corais", afirma.

A associação vende cada pacote de 100 gramas de alga seca por R$ 5 e hoje tem cinco associadas ativas.

No cultivo, mudas de algas vermelhas da espécie Gracilaria birdiae são colocadas dentro de estruturas chamadas de cestas, feitas de malha de plástico, em formato cilíndrico, e levadas ao mar com a maré baixa, durante a época da lua minguante.

Quinze dias depois, as associadas voltam para a água e removem algas invasoras, de espécies sem aplicação comercial, que se acumulam sobre as malhas. Depois de mais dois meses, é feita a colheita, que, segundo Nizia de Freitas, dá uma média de 1.000 kg de algas.

As algas passam por um processo de limpeza que envolve secagens e reidratações consecutivas por até quatro dias. Em seguida, são picadas a máquina –"bem miudinhas, iguais ao arroz", diz a presidente da Amar– e moídas até virar uma espécie de farinha.

Sem água, os 1.000 kg de algas se reduzem a algo entre 65 kg e 70 kg. O produto, segundo Nizia de Freitas, é vendido para a Sina Flora, empresa de cosméticos e alimentos.

Além da "farinha de algas", a associação também vende xampu e sabonete líquido feitos com o material. Cada tubo de 250 ml é vendido por R$ 10.

Para Eliane Marinho Soriano, bióloga da Universidade Federal do Rio Grande do Norte que trabalha com macroalgas –categoria onde estão incluídas as algas vermelhas–, o sol e a alta temperatura constante da água, ao redor de 28°C, tornam o Nordeste favorável ao desenvolvimento das algas.

Mas, segundo a bióloga, falta financiamento para que o cultivo ganhe escala comercial no Brasil.

Entre as décadas de 1970 e 1980, afirma Eliane Soriano, a coleta excessiva das algas fez com que os tipos mais procurados sumissem de algumas das praias nordestinas. Desde a década de 1990, entretanto, os coletores teriam passado a fazer a coleta de forma mais consciente, para não colocar as populações de algas em risco. "O cultivo também diminui a pressão sobre os tipos mais procurados", disse.

Empresa fundada por japonês trabalha com algas há 40 anos

A empresa AgarGel, com sede em São Paulo, trabalha com algas há 40 anos e, desde 1993, tem uma fábrica de ágar-ágar em João Pessoa (PB), que hoje emprega 20 funcionários. Segundo Jun Setoguchi, diretor da empresa, a AgarGel vende anualmente de 50 a 60 toneladas de ágar-ágar, por R$ 65 o quilo.

Ele conta que a empresa foi fundada por seu pai, Takeshi Setoguchi, nascido no Japão e residente no Brasil desde a década de 50.

"Alguns japoneses quiseram saber se havia algas para importar do Brasil. Ele foi pesquisar e descobriu que tinha bastante no Nordeste e, junto com um amigo, abriu a empresa, tirou a licença para coletar e começou a exportar para o Japão", conta Setoguchi.

Hoje, a AgarGel compra cerca de 50 toneladas de algas por ano, por R$ 2 o quilo, de coletores de praias da Paraíba ao Norte do Ceará; cada 10 kg de algas rendem 1 kg de ágar-ágar.

Oitenta por cento do produto é vendido no Brasil; o restante vai para outros países, como Bolívia e Colômbia.

Além do ágar-ágar, a AgarGel vende algas secas do tipo gigartina para o Japão, por entre US$ 2.000 e US$ 2.500 a tonelada. Lá, elas são usadas na culinária. A empresa também vende gelatinas de algas, que podem ser encontradas em mercados brasileiros por cerca de R$ 4 o pacote de 16 gramas.

A matéria-prima comprada no Brasil representa apenas 10% do que a empresa usa. Os outros 90% são importados da Indonésia e das Filipinas, afirma Setoguchi.

Apesar de as algas vermelhas serem encontradas no Nordeste, o país importa a maior parte do que usa na indústria. De acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento, em 2012 foram importadas 1,55 mil toneladas de carragena e ágar-ágar, principalmente das Filipinas e do Chile. As exportações brasileiras somaram 39 toneladas.