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Planta que alimenta gado pode virar etanol quando faltar cana

André Cabette Fábio

Do UOL, Em São Paulo

11/10/2013 06h00

Uma planta de origem africana que até pouco tempo era usada apenas na alimentação de gado pode virar aliada da cana-de-açúcar na produção de etanol.

Pesquisadores e usinas estão investindo numa variedade de sorgo para utilizá-lo entre os meses de novembro e abril no Centro-Sul do país, quando não há mais cana para moer e a fabricação de etanol é suspensa.

Nesse período, a tendência é a de o preço do combustível subir, um efeito que o etanol produzido a partir de sorgo pode ajudar a combater.

Na década de 80, um dos diversos tipos de sorgo, chamado de sacarino --que, como a cana, tem o caule rico em açúcar-- foi uma das culturas estudadas pela Embrapa como parte do Proálcool, programa do governo que deu início à produção de etanol no Brasil.

Mas foi a cana que disparou na frente como fonte preferida para a produção do combustível, e as pesquisas com o sorgo foram deixadas de lado até 2005. Nesse meio tempo, uma variedade do sorgo do tipo sacarino desenvolvida pela Embrapa e chamada de BRS 506 continuou sendo cultivada por alguns agricultores para produzir alimento para gado.

"As pesquisas voltaram porque o Brasil está com um deficit grande de combustível. Hoje, há falta de etanol e tem toda questão da gasolina, que deveria ser ainda mais cara", afirma pesquisador da Embrapa Milho e Sorgo. Hoje, a Embrapa já trabalha com uma nova variedade de sorgo "herdeira" da BRS 506, a BRS 511

A Petrobras tem revendido o combustível por preços menores dos que os que paga na importação de gasolina, que aumentou 42 mil vezes em três anos.

Brasil tem potencial para cultivar sorgo sacarino em 500 mil hectares

O objetivo das pesquisas é produzir sorgo sacarino na época da entressafra da cana (período em que ela não é colhida), em 6% da área das plantações. Essa é a proporção em que, todo ano, os usineiros geralmente substituem plantas velhas por mudas novas de cana.

Com cerca de 8 milhões de hectares de cultivo de cana-de-açúcar, o Brasil tem hoje potencial para plantar sorgo sacarino em cerca de 500 mil hectares todo ano, segundo André May.

Atualmente, a planta é cultivada, em caráter experimental, em 10 mil hectares para a produção de etanol --outros tipos de sorgo usados principalmente para a alimentação do gado ocupam hoje 1 milhão de hectares.

As sementes usadas nas áreas de teste são de variedades específicas para produzir etanol, como a BRS 511 da Embrapa. Empresas como Monsanto, Ceres, NexSteppe e Canavialis também vendem sementes de sorgo sacarino criadas especialmente para essa finalidade.

Etanol de sorgo será produzido nas mesmas usinas de etanol de cana

O sorgo sacarino atrai os produtores por aproveitar todo o processo industrial já usado pela cana sem necessidade de grandes adaptações, desde a moagem da planta inteira para a retirada do caldo até sua fermentação para produzir o etanol.

Isso o coloca em posição de vantagem frente a outros produtos que também são estudados para gerar etanol, como batata-doce, mandioca e beterraba.

Além disso, a planta precisa de quatro meses para se desenvolver, podendo-se encaixar sua colheita na "janela" deixada pela cana-de-açúcar, entre novembro e abril --a cana, em comparação, se desenvolve em 1,5 ano.

"A ideia é que o sorgo entre nas usinas de cana como matéria-prima complementar, praticamente sem necessidade de mudança em nenhum equipamento", explica a pesquisadora Cristina Machado, da Embrapa Agroenergia. Pesquisas do tipo têm sido feitas também na China, Índia, Tailândia e na Coreia do Sul em pareceria com os Estados Unidos.

Empresa já tem experiência com duas safras de sorgo

Associação da Shell com a Cosan para atuar nas áreas de açúcar e combustíveis, a Raízen produz 2 bilhões de litros de etanol de cana por ano em 24 usinas e já tem duas safras de experimentos com o sorgo sacarino.

Em 2011, a empresa plantou 990 hectares na Usina Bom Retiro, em Capivari (SP). No ano passado, o cultivo foi de 636 hectares na usina Rafard, no mesmo município. A produtividade atingida foi de 763 e 728 litros por hectare. A Raízen testa variedades da Embrapa e de outras companhias produtoras de sementes.

"Vimos que o sorgo exige uma regulagem diferente da moenda, mas a adequação industrial é um processo tranquilo. Um ponto negativo é que o sorgo é usado apenas para o etanol, e não serviria para fazer o açúcar", afirma Cassio Paggiaro, diretor de planejamento e desenvolvimento agrícola da Raízen.

As usinas brasileiras geralmente produzem tanto o etanol quanto o açúcar, dirigindo a matéria-prima para a fabricação do produto que estiver com os preços mais vantajosos.

O bagaço do sorgo, assim como o da cana, pode ser usado para geração de energia, através da queima. Além disso, ele também pode ser usado na alimentação do gado.

Para valer a pena, sorgo ainda precisa aumentar produtividade

Se a produção industrial do etanol com o sorgo não requer maiores adaptações, o mesmo não pode ser dito sobre o cultivo da planta.

Paggiaro afirma que a produtividade do experimento da Raízen foi de 25 a 30 toneladas de sorgo. Processado, esse sorgo resultou em menos de 800 litros de etanol por hectare, mas Paggiaro estima que, para o investimento valer a pena, ela precisaria atingir de 50 a 60 toneladas de sorgo e 2,5 mil litros de etanol por hectare.

A cana tem produtividade de até 80 toneladas e 7,5 mil litros de etanol por hectare. Como o sorgo não seria um substituto, mas um complemento, ele não precisa bater esses valores.

Paggiaro afirma que o uso de colhedora de cana na colheita do sorgo sacarino fez com que parte da safra fosse perdida. "[A máquina] não é o ideal para o sorgo, um produto muito menos denso [que a cana]", afirma.

Além disso, a pouca experiência com a planta prejudicou o combate a doenças. A falta de produtos no mercado para controlar ervas daninhas trouxe ainda mais dificuldades.

"Hoje, já temos tecnologia viável para produzir de 2,5 mil a 3 mil litros por hectare. O principal problema ainda é o plantio, porque a cana é muito mais agressiva que o sorgo e os equipamentos e práticas das usinas não são para o cultivo do sorgo", afirma May, da Embrapa. "Como aconteceu com a soja ou a cana, o sorgo precisa de investimento para dar resultado", conclui.

Para o pesquisador, com boas práticas, o cultivo pode chegar a mais de 60 toneladas de produção por hectare "sem nenhum problema".

A pesquisadora Cristina Machado lembra que, com o desenvolvimento da produção do chamado etanol de segunda geração, que produz álcool também com as folhas e outras partes das plantas, mesmo o bagaço do sorgo poderá ser aproveitado para a produção de combustível no futuro.