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Governo quer mais peixes em tanques para atender aumento do consumo

Rafael Motta

Do UOL, em Santos (SP)

17/10/2013 06h00

O governo está incentivando a criação de peixes em cativeiro para dar suporte ao crescimento do apetite dos brasileiros por pescados --e também para diminuir o peso da importação desse tipo de alimento na balança comercial. 

De acordo com a FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação), nos últimos oito anos, o consumo de peixes por habitante no Brasil pulou de 4 kg para 9 kg por ano. A má notícia é que a pesca do país não acompanha essa evolução.

O resultado é que, pesando o que exportamos e o que importamos, a balança pende para o lado do pescado importado --como salmão e bacalhau--, num deficit comercial que deve ultrapassar US$ 1 bilhão neste ano.

Para reverter essa situação, o governo aposta numa tendência mundial: a aquiculturam, que é a criação de pescado em água doce ou salgada, em propriedades rurais e reservatórios de usinas hidrelétricas, por exemplo.

Segundo os dados mais recentes levantados pelo Ministério da Pesca e Aquicultura, os peixes criados em cativeiro já representavam quase 44% do total brasileiro em 2011, quando a pesca e a criação somaram 1,431 milhão de toneladas.

E a proporção deve aumentar. Apenas entre junho e setembro, o governo cedeu a aquicultores aproximadamente 700 hectares de áreas da União em Estados como São Paulo, Goiás, Paraná e Pernambuco. Nesses espaços, será possível produzir 200 mil toneladas anuais, perto de 30% da produção em cativeiro em 2011 (628,7 mil toneladas).

Segundo a secretária nacional de Planejamento e Ordenamento da Aquicultura, Maria Fernanda Nince, o país terá no ano que vem entre 42 e 45 áreas produtivas que, juntamente com a pesca, farão a produção brasileira totalizar 2,285 milhões de toneladas de pescados.

Pesca mundial está estagnada desde os anos 90

No mundo todo, o volume de peixes obtidos através da pesca parece ter chegado num limite desde o começo dos anos 90, beirando 90 milhões de toneladas por ano.

Mas o consumo não para, e a solução tem sido criar peixes e crustáceos em tanques. Na China, maior produtora mundial, três em cada quatro quilos de pescados (75,3%) são produzidos em zonas de cultivo, segundo a FAO.

O órgão internacional calcula que o Brasil tem potencial para, em 2030, produzir 20 milhões de toneladas de pescado por ano, dez vezes mais do que a projeção do ministério para 2014. “E, com o aumento da oferta, haverá a diminuição do preço [para o consumidor]”, diz a secretária do Ministério da Pesca e Aquicultura, Maria Fernanda Nince.

No ano passado, o governo federal liberou cerca de R$ 4 bilhões em crédito para pescadores e aquicultores de todo o Brasil, a serem aplicados até 2014.

Frota pesqueira do Brasil está sucateada, diz sindicato

O crescimento da aquicultura representa a diminuição da pesca extrativa, na qual o ministério estima haver desperdício de 20% a 30% do que é capturado. Enquanto em 2009 a pesca totalizou 825,1 mil toneladas (66,5% do total), caiu para 803,2 mil toneladas em 2011 (56,1%).

O presidente do Sapesp (Sindicato dos Armadores de Pesca do Estado de São Paulo) e vice-presidente da Cooperativa Mista de Pesca Nipo-Brasileira, José Ciaglia, diz não haver “crise” na pesca industrial, mas acha necessário “o governo dar apoio para [o setor] se organizar melhor”.

Ciaglia trabalha com pesca há 53 anos e relaciona, entre as atuais dificuldades para o sustento da modalidade, o sucateamento da frota pesqueira, a falta de disciplina na importação de pescados e a constante redução das zonas de captura, que, de acordo com ele, têm inibido a pesca.

“Não conseguimos competir com o pescado que vem de fora. Nossa frota é sucateada, muito antiga, e precisa de melhores condições de captura e congelamento do pescado a bordo. A indústria está abarrotada de sardinha importada e não quer receber a nossa”, afirma o dirigente.

A frota pesqueira nacional tem 41.995 embarcações registradas no Ministério da Pesca (dados de 2012), com o Estado do Rio de Janeiro à frente (9.355), seguido por Santa Catarina (6.326). São Paulo está em décimo lugar (1.824). Há 1,041 milhão de pescadores, a maioria artesanais (só 0,84% industriais).

Brasil tem déficit na balança comercial de peixes e crustáceos

Em 2011, conforme o último Boletim Estatístico do Ministério da Pesca e Aquicultura, lançado no mês passado, o deficit no comércio de peixes, crustáceos e moluscos atingiu US$ 988,7 milhões (R$ 2,178 bilhões). Essas transações equivalem a 90,7% da balança comercial do setor pesqueiro –o restante consiste no comércio de óleos, conservas, ração e ovas.

Com base em informações do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, o UOL apurou saldo negativo de US$ 970,4 milhões (R$ 2,138 bilhões) em 2012. Neste ano, até agosto, o déficit foi de US$ 737,9 bilhões (R$ 1,625 bilhão).

Caso os resultados mensais da balança comercial neste ano se mantenham, o déficit final de 2013 poderá atingir US$ 1,106 bilhão (R$ 2,4 bilhões).

Ao se aplicar a cotação do dólar comercial para venda em cada época, o resultado negativo, em reais, é ainda maior: R$ 1,816 bilhão em 2011 (com dólar a R$ 1,837 no fim do ano), R$ 1,987 bilhão em 2012 (dólar a R$ 2,048) e R$ 2,4 bilhões neste ano (dólar a R$ 2,17).

O último saldo positivo foi em 2005 (US$ 103,5 milhões, ou R$ 228 milhões). Naquela época, em dólares, exportou-se 108% a mais do que no ano passado, e as importações correspondiam a 24,8% do volume atual.

Para o Ministério da Pesca, a queda na cotação da moeda norte-americana e o protecionismo estrangeiro fizeram produtores investir mais no mercado interno. O dólar comercial para venda valia R$ 2,283 no final de 2005, R$ 2,15 em 2006 e R$ 1,787 em 2007. No ano seguinte, chegou a R$ 2,398, mas as importações continuaram crescendo.

Segundo o ministério, o principal produto exportado do Brasil é a lagosta, cujo defeso (proteção da espécie para fins de reprodução) dura entre janeiro e maio. Também há acentuação nas importações de pescado não produzido no país, como bacalhau e salmão, antes da Semana Santa e para o Natal.