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Fábrica centenária de berrantes em SP sobrevive com vendas para decoração

Priscila Tieppo

Do UOL, em São Paulo

06/12/2013 06h00

Uma fábrica de berrantes se esconde atrás de uma casa no Itaim Paulista, zona leste de São Paulo. Ali, Marciel Malaquias mantém uma tradição familiar que já dura quase cem anos. A produção de 30 berrantes por mês da ArtChifre, nome da empresa, é quase toda destinada à decoração.

“Como instrumento mesmo, só compra quem participa de competições ou quem gosta de ouvir para se lembrar do campo. Hoje já quase não existe mais a tradição de levar a boiada no berrante”, afirma Malaquias, de 53 anos, e terceira geração da família a fabricar o produto.

A ArtChifre é uma das poucas fabricantes de berrantes no país. No Estado de São Paulo, também há as marcas Ferradura, de Araçatuba, e BJS Boiadeiro, de Bernardino de Campos.

Malaquias, que vive apenas da renda da fábrica, conta com a ajuda de três dos sete filhos. “Todos estão estudando para outras profissões, mas a ideia é que eles mantenham a fábrica”, diz.

A produção é vendida para lojas de artigos "country" e selarias de São Paulo, e também pode ser comprada pela internet. Os clientes ainda podem comprar os berrantes na própria fábrica, aproveitando para conhecer como é o processo de produção dos berrantes.

Berranteiro mostra cinco toques de berrante

Foi o caso de Marcos Alegro Silva, que mora no bairro Ermelino Matarazzo, também na zona leste paulistana. Ele ficou sabendo que ali existia um fabricante de berrantes depois de pesquisar na internet e descobrir a ArtChifre.

“Viajo muito para Mato Grosso do Sul e sempre vi berrantes como decoração nas casas, mas eu quero aprender a tocar”, disse Silva, escolhendo um dos modelos em exposição no local.

O cliente ainda ganhou de Malaquias uma aula básica para tocar o berrante. “É difícil, mas eu vou aprender”, afirmou.

Para cada berrante são necessários cinco chifres

Um bom berrante se faz com cinco chifres de boi, diz Malaquias. Cada peça pode ter de 80 centímetros a 1,20 metro e o preço varia de R$ 180 a R$ 600, dependendo do acabamento e do tamanho. Os forrados com couro são os mais caros, de acordo com o empresário.

O processo de fabricação é cheio de detalhes desde o começo. Para montar a "buzina", como o berrante é chamado informalmente por peões, é preciso encontrar chifres que se encaixem perfeitamente.

“É um quebra-cabeças e só quem consegue fazer isso é o meu pai. Ele bate o olho e monta, nem precisa procurar muito”, afirma Débora Malaquias, que ajuda o pai na fábrica.

“Não é tão simples assim”, diz o pai. “Às vezes tenho que abrir muitos sacos de chifres para achar os encaixes”.  A cada dois meses, eles compram cerca de 800 quilos de chifres, que vêm do Paraná, Mato Grosso e Rondônia, e são provenientes de animais das raças guzerá, gir e caracu.

A escolha correta das peças é que vai definir um som bom no berrante. “Não pode ter folga entre um e outro, senão vaza”, diz Malaquias.

Encontrados os chifres certos, as pontas são retiradas para que se encaixem perfeitamente. As peças são então lixadas, o que revela a cor do chifre, que pode ser preta, cinza ou branca. “Esta cor não tem como mudar e nem o formato, por isso precisamos escolher com cuidado”, afirma.

Depois de lixadas, as peças são coladas formando o berrante, que será polido. “Conseguimos o brilho só com o polimento. Não tem verniz e nem tinta, é tudo natural”, diz.

A escassez de matéria-prima, porém, preocupa a família. “Com o aumento de abate de animais mais jovens para exportação de carne, não há tantos chifres disponíveis no mercado, principalmente das raças que precisamos”, diz.

Chifres também viram outras peças de decoração

Antes de fabricar berrantes, a família de Malaquias produzia peças decorativas como pinguins e peixes feitos com os chifres. “Meu avô foi quem começou a fazer essas peças, depois foi aperfeiçoando até aprender a fazer berrantes”, diz.

Malaquias, então, aprendeu com o pai a fazer peças como cinzeiros, cuias, bengalas e martelos com os chifres, vendendo ainda hoje esse tipo de produto para lojas de artigos para turistas.

O pó que sai do chifre quando ele é cortado ou lixado é vendido a lojas de artigos religiosos. “Dizem que dá sorte”, afirma.

Para a Copa 2014, o empresário criou uma corneta batizada de Berrancafusa, para quem quiser levar uma lembrança do país. O produto já está nas lojas, de acordo com ele.

Berrante foi criado no Brasil para ajudar na condução do gado

O berrante, também chamado de corneta ou buzina, foi criada por boiadeiros brasileiros como forma de comunicação entre os peões que ajudam a transferir o gado de um local para outro e para alerta dos bois.

Nas competições de berrantes, como acontece em Barretos (SP), cinco tipos de sons são avaliados, os principais utilizados durante a lida com uma boiada.

Leandro Soldera, 34 anos, é berranteiro há 13, e participa de competições com berrantes da ArtChifre. “Venho aqui na fábrica e conseguimos fazer um instrumento que atenda às minhas necessidades para as provas”, diz.