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Sobras de cachaça são usadas para fazer etanol em Minas Gerais

Carlos Eduardo Cherem

Do UOL, em Belo Horizonte

10/12/2013 06h00

Fabricantes de cachaça em Minas Gerais estão usando as sobras da produção, que não podem ser consumidas como bebida, para fazer etanol e abastecer o próprio carro.

Os alambiques precisam descartar cerca de 30% do produto que fabricam. Essa porção corresponde à "cabeça" da cachaça (obtida no início da destilação) e à "cauda" (como é chamado o produto do final do processo).

A cabeça e a cauda não servem para consumo humano. Elas têm alta concentração de resíduos tóxicos e apresentam custo elevado para descarte.

Mas servem para fazer combustível, e cada vez mais produtores estão se dando conta disso, principalmente na região de Viçosa (MG), a 246 km de Belo Horizonte, que reúne muitos alambiques.

Usando equipamentos que custam entre R$ 10 mil e R$ 15 mil, eles conseguem retirar o excesso de água desses resíduos e transformar cada dois litros de cabeça e cauda em um litro de etanol. O custo de produção de um litro está estimado entre R$ 0,50 e R$ 1.

Lei permite a produção para consumo próprio

Uma lei estadual de 2005 (nº 15.456) permite que pequenos produtores de Minas Gerais fabriquem para uso próprio até 5.000 litros de etanol por dia. Não há determinação de nenhum tipo de fiscalização sobre essa produção.

Segundo o professor do Departamento de Engenharia Agrícola da UFV (Universidade Federal de Viçosa) Juarez de Souza e Silva, 69, que vem difundindo na região a ideia de produzir o combustível em propriedades agrícolas há 30 anos, esse etanol é exclusivamente para consumo dentro das propriedades, não podendo ser comercializado.

“O álcool [que produzimos] abastece quatro automóveis da família, duas camionetes da fazenda e outros quatro carros e 25 motocicletas de empregados diretos e indiretos da fazenda”, diz o empresário José Maria Santana Júnior, 42, de Guaraciaba (MG), a 216 km de Belo Horizonte. “Estou economizando cerca de R$ 3 mil por mês com combustível.”

Na propriedade da família de Santana, a Fazenda Independência, produz-se cachaça artesanal há 50 anos. Atualmente, ali são fabricados por dia cerca de 2.000 litros das cachaças Guaraciaba (R$ 10 o litro) e Guaraciaba Premium (R$ 30), além de algo entre 150 e 200 litros por dia de etanol com a cauda e a cabeça da bebida.

“A retirada da cabeça e da cauda da bebida é o que garante a qualidade da cachaça”, diz o empresário. Quanto ao etanol, ele afirma que o produto é muito bom. “Melhor até que o dos postos de combustível”, diz.

De acordo com Waldyr Pascoal, coordenador técnico de culturas da Emater-MG (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais), não há fiscalização sobre o etanol fabricado e utilizado pelo próprio produtor. No entanto, se ele quiser vender o combustível, inicialmente seria preciso cadastrar a produção junto ao Ministério da Agricultura e à ANP (Agência Nacional do Petróleo).

"Mas há muitas exigências para que se possa efetivamente vender o etanol, como fazer análises períodicas do produto, seguir regras de armazenamento etc., e isso é economicamente inviável diante do pequeno volume de combustível produzido", diz Pascoal.

Ainda assim, o álcool não poderia ser vendido diretamente ao consumidor, mas deveria ser entregue a uma distribuidora. "O que também não traria vantagens para essas empresas, pois elas teriam que adquirir uma produção muito pulverizada", afirma.

Associação quer obter permissão para vender o etanol de cachaça

O engenheiro agrícola Luiz Gonzaga Valente da Silva, 67, produz 500 litros de cachaça por mês no Sítio Cata Vento, em Porto Firme (MG), a 264 km de Belo Horizonte. Em 2009, ele construiu uma microdestilaria de álcool junto ao alambique para fabricar etanol.

“Estamos produzindo algo em torno de 70 litros de álcool por dia. Dá para abastecer dez carros de parentes e dois táxis, que prestam serviços para nós. Mas se pudesse comercializar, é claro que fabricaria muito mais”, diz.

Ele informa que um grupo de produtores do município de 10 mil habitantes criou recentemente a Associação dos Produtores e Consumidores de Álcool Combustível de Porto Firme. A intenção é obter a permissão para que o etanol produzido pelos alambiques do município possa ser comercializado na cidade.

“São dez alambiques em Porto Firme e todos produzem etanol. Temos condições de abastecer toda a frota de mil veículos de Porto Firme”, afirma o empresário.

O litro da cachaça Cata Vento, envelhecida em tonéis de carvalho, é comercializada por R$ 30. “Retirar a cabeça e a cauda durante a destilação é básico para ter uma cachaça de qualidade. É até criminoso uma pessoa vender a cachaça com cabeça e cauda”, afirma.

“O Brasil produz 1 bilhão de litros de cachaça por ano, 95% desse volume, na informalidade. Caso a cabeça e a cauda, produtos altamente prejudicais à saúde e que devem ser descartados, fossem aproveitados, os alambiques poderiam produzir 250 milhões de litros de etanol por ano”, diz Juarez de Souza e Silva, da Universidade de Viçosa.
 
Ele explica que, embora o volume represente pouco, já que o Brasil produz 22 bilhões de litros de etanol anualmente, o impacto econômico da liberação nas regiões produtoras de cachaça seria acentuado.
 
“Essa produção, além de evitar os custos de descarte de um produto tóxico, teria grandes impactos na economia dos municípios produtores”, afirma.