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Reinaldo Polito

Não fale da atividade paralela

30/09/2010 07h00

Tive um aluno que atuava como gerente de uma grande construtora. Ele participou com os colegas da mesma empresa de um curso de Expressão Verbal na minha escola. Eram 15 gerentes e cinco diretores. Embora os gerentes fossem subordinados diretamente a esses diretores, as diferenças hierárquicas não eram evidenciadas dentro da sala de aula.

Não preciso dizer, entretanto, que mesmo não sendo expostas as posições de comando e de subordinação continuavam existindo. Era possível notar, por exemplo, o olhar mais enviesado de um ou outro diretor quando um dos subordinados exagerava nas brincadeiras, ou se aproximava das fronteiras tênues da vulgaridade.

Tanto eu como o Professor Jairo, que ministra cursos comigo há mais de 30 anos, temos o cuidado de nunca criticar um aluno na frente dos colegas, especialmente se tratando de superiores e subordinados. Se temos de sugerir alguma mudança de comportamento ou a utilização de determinada técnica, a conversa é sempre reservada.

Foi o que precisei fazer com esse aluno. Todas as vezes em que ele se dirigia à tribuna para cumprir um exercício invariavelmente dava um jeito de citar como exemplo uma empresa que havia montado com a esposa. Seus olhos brilhavam de satisfação. Demonstrava orgulho daquele empreendimento. Era como se dissesse a todos: sou diferenciado, tenho aptidões que me distinguem de vocês.

Quase no final do primeiro dia de treinamento chamei esse aluno para uma conversa particular e sugeri que parasse de mencionar sua atividade paralela. Pedi que refletisse sobre a vantagem e os benefícios daquela atitude. Será que seria admirado pelos outros gerentes? Será que seria valorizado pelos diretores? Provavelmente não.

O mais certo é que despertasse inveja dos colegas e desconfiança dos superiores. Afinal, alguém que fala com tanto entusiasmo de outra atividade que desenvolve, talvez não esteja tão comprometido com seu trabalho na organização.

Portanto, essa vaidade de se dedicar a um empreendimento alternativo poderia prejudicar o futuro de sua carreira. Ele se convenceu imediatamente, agradeceu e fez a promessa a si mesmo de nunca mais tocar no assunto.

Ainda que se considere exagerada a pregação de Vieira, o certo é que afirma em um de seus sermões: “Platão mandava na sua República que nenhum oficial pudesse aprender duas artes. E a razão que dava era porque nenhum homem pode fazer bem dois ofícios”.

A história mostra exemplos que contrariam as palavras de Vieira. Só para citar dois, Michelangelo e Da Vinci. Especialmente nos dias de hoje, com o extraordinário desenvolvimento da tecnologia, aprender e se aprimorar em mais de uma atividade chega a ser simples para muitas pessoas. Abraçar tarefas distintas e perder o foco já é diferente.

Por isso, mesmo que detenha ínfima parcela de uma sociedade, não leve esse assunto para dentro da empresa, muito menos discuta suas vitórias e agruras extramuro com pares ou superiores hierárquicos. Se achar que a atividade paralela é muito boa e lhe proporciona satisfação e bons rendimentos, pense em se dedicar a ela com exclusividade.

É importante ressaltar também que um profissional pode ser visto com bons olhos se usa parte do seu descanso semanal para desempenhar trabalhos voluntários, assim como poderia ser admirado se uma vez por semana ou a cada quinze dias atuasse como professor universitário, ensinando matérias ligadas à sua atividade.

Cabe a você refletir e ponderar sobre o que pretende na vida. Em qualquer circunstância, saiba que a empresa deseja contar cem por cento do tempo com um profissional, e, provavelmente, não tolerará que atividades paralelas sejam concorrentes das preocupações daqueles a quem paga o salário.

SUPERDICAS DA SEMANA

- Aprenda quantas matérias desejar, mas desenvolva apenas uma delas.
- Se sua atividade paralela der mais satisfação, pense em se dedicar a ela com exclusividade.
- Se tiver uma atividade paralela, não discuta esse assunto na empresa.
- Não use seu tempo na empresa para tratar de negócios próprios. Alguém vai saber. Mesmo que ninguém descubra, agindo assim você não será um bom profissional.
Livro de minha autoria que ajuda a refletir sobre esse tema: “O que a vida me ensinou”, publicado pela Editora Saraiva.