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Reinaldo Polito

Sarney sim é o cara

03/05/2011 18h45

Quem viu a desenvoltura do presidente Barack Obama nas visitas que fez à Brasília e ao Rio de Janeiro deve ter pensado: “esse é o cara”. Elegante, simpático, charmoso são alguns dos adjetivos que definem o comportamento do presidente americano em todos os lugares em que se apresentou.

Entre os convidados havia um, entretanto, que se manteve em silêncio e quase não foi percebido, mas que mereceria mais que todos receber a alcunha de “o cara”, José Sarney. Antes que me atirem ao fogo ou aos marimbondos, explico.

Embora a imprensa e parte da sociedade americana critiquem a visita que Obama fez ao Brasil, o momento é favorável para os dois países em muitos aspectos. Basta observar como Obama e Dilma trocaram amabilidades.

Muitos interesses estavam envolvidos nessa visita. O bom resultado da vinda de Obama, se por um lado traz perspectivas alvissareiras ao Brasil e aos Estados Unidos, pode também prejudicar quem gostaria que tudo continuasse exatamente como está.

Por isso, segmentos da sociedade que se sentiram prejudicados aproveitam para dizer que a época foi inadequada, pois o presidente americano veio ao Brasil no momento em que as forças de coalizão atacavam a Líbia e o Brasil se absteve de votar.

Se não fosse esse motivo, encontrariam outros para criticar. A verdade é que por interesses de toda natureza nós e os americanos vivemos um incomparável período de lua de mel. Na pauta de negociações há assuntos positivos para todos os gostos.

Nem sempre foi assim. Aí é que entra a história heroica do “cara” José Sarney. No mês de setembro de 1986, quando ele era presidente do Brasil, num momento difícil para o nosso país teve de visitar os Estados Unidos. Estávamos endividados e tentando superar problemas econômicos que nos impediam sequer de olhar de frente quem quer que fosse. Reagan era o presidente americano.

Sarney havia preparado discursos de aproximação em termos protocolares amenos e amáveis. Reagan, porém, foi um anfitrião grosseiro, antipático e descortês. Logo no primeiro discurso de recepção que proferiu usou palavras que não devem ser ditas a um visitante:

“Nenhum país pode continuar exportando para outros se seus mercados domésticos estão fechados para a concorrência estrangeira”. E, se não bastasse essa punhalada, em outro momento foi ainda mais agressivo dizendo que nenhum país deve crescer à custa dos outros.

Dá para imaginar a situação de um presidente que visita com boa vontade outro país ter de ouvir de surpresa ataques como esse. Sarney foi altivo. Se fosse outro, eu diria que sacudiu a poeira, mas, no caso dele talvez seja melhor dizer que ajeitou o jaquetão e com classe partiu para o revide.

Assessorado por Rubens Ricúpero e Dílson Funaro proferiu as seguintes palavras: “O presidente Reagan disse esta manhã que nenhum país pode crescer à custa dos outros, nós concordamos com isso. O Brasil sempre cresceu graças às suas potencialidades, através de seu trabalho e do sacrifício do povo.” Touché!

Sarney não ganharia nada se estabelecesse confronto pessoal com os americanos, por isso, de forma premeditada e com a dose certa de sensatez usou a língua afiada de Funaro para golpear os “adversários”.

O ministro brasileiro afirmou que as razões da crise da dívida brasileira não estavam sendo esclarecidas em meio às críticas sobre o nosso comportamento comercial. Sem alterar a voz, mas com a firmeza de quem defende a soberania do seu país enfatizou que os juros internacionais haviam subido de maneira absurda e que esse fato se devia aos deficits fiscais americanos.

E para não ficar apenas no discurso sustentou que o descontrole orçamentário fiscal dos Estados Unidos era responsável por um aumento de US$ 25 bilhões da nossa dívida. E cravou com um argumento irrefutável. Disse que para continuar crescendo o Brasil precisaria importar. E para poder importar ou não pagaria a dívida ou os juros deveriam ser menores.

Sarney foi habilidoso. Enquanto seus ministros entravam no ringue o presidente aproveitava seus discursos para falar das semelhanças dos ideais do povo brasileiro e americano, de como nosso Congresso se parecia com o Congresso dos Estados Unidos. Dessa forma, não só procurava quebrar resistências, mas também mostrar que o Brasil voltava a ser uma democracia.

Diante de tantas adversidades, Sarney voltou dessa empreitada como vencedor. Defendendo causas tão antipáticas como a manutenção da reserva de mercado para a informática, quebra da taxação para facilitar a importação dos nossos produtos, não-pagamento dos juros da dívida externa etc., deu seu recado e retornou para casa com a alma lavada.

Disseram alguns especialistas que foi graças aos excelentes discursos de Sarney que os americanos deixaram de lado a ideia de retaliar o Brasil. Podemos dizer agora, depois de 25 anos, que essa foi uma das mais bem-sucedidas ações diplomáticas do nosso país em todos os tempos. Esse é “o cara”.

Obama está com todos os holofotes. É um dos melhores oradores do mundo. Sabe como ninguém adaptar a mensagem e a forma de discursar de acordo com o tipo de plateia e a circunstância que o cerca. Foi assim que se projetou para o mundo durante a campanha presidencial fazendo comícios arrebatadores.

É essa mesma eloquência que o acompanha quando fala para os americanos, em momento de crise tão grave como a que enfrentaram recentemente, e ao se dirigir aos países nos mais diferentes cantos do planeta. Sua oratória o acompanhou em todos os instantes da visita que fez ao Brasil.

Com certeza, a postura que adotou ao discursar em ambiente fechado no Theatro Municipal do Rio foi muito diferente da que adotaria se tivesse discursado na Cinelândia. Lá seria mais popular, mais eloquente, mais palanqueiro. Mostrou que realmente é bom de tribuna.

Continuo achando, entretanto, que naquela visita que fez aos Estados Unidos em 1986 Sarney foi insuperável. Esse sim é “o cara”.

SUPERDICAS DA SEMANA

- Não se recepciona um visitante de maneira grosseira e descortês
- Se você for muito importante deixe que pessoas de nível hierárquico mais baixo briguem
- Independentemente de como seja tratado, concentre-se no objetivo da sua missão
- Mesmo sendo agredido com palavras, responda com cortesia. O resultado é o que importa
Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "Recursos audiovisuais nas apresentações de sucesso", "Como falar corretamente e sem inibições”, “Superdicas para falar bem”, publicados pela Editora Saraiva, também no formato digital