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Reinaldo Polito

A eloquência de Ayres Britto

 Sergio Lima/Folhapress
Imagem: Sergio Lima/Folhapress

19/11/2012 12h42

Ayres Britto se aposentou. Ao completar 70 anos de idade teve de se aposentar quando ocupava a presidência do STF. Muitos já falaram da competência profissional desse sergipano que dedicou a vida à causa do direito, conquistando sólida reputação.

Quero me afastar um pouco das questões que envolvem o judiciário e dedicar algumas palavras para comentar sobre sua comunicação. O ex-ministro ficará marcado também pela maneira peculiar como sempre se comunicou, estando ou não a toga sobre seus ombros.

Há uma frase de Pascal que se tornou emblemática no mundo da oratória: “A eloquência é a pintura do pensamento”. Podemos interpretar que é eloquente aquele que com palavras e gestos consegue pintar o quadro que está em sua mente. Portanto, não são eloquentes apenas aqueles que possuem voz arrebatadora, ou que impressionam com sua expressão corporal.

Esse é Ayres Britto. Eloquente à sua maneira. Fala com voz suave, semblante simpático, sempre com leve sorriso nos lábios e gestos moderados. Transporta os ouvintes para o cenário que esteja vivenciando. Mesmo nos momentos em que os embates entre os ministros se mostravam mais acalorados sua palavra apaziguadora prevalecia.

Ayres Britto se destacou pela inteligência pronta, pela presença de espírito aguçada, pela correção das frases, pelo conhecimento profundo, pelo acerto das observações e, principalmente, pelo equilíbrio e ponderação de seus pronunciamentos. Era o juiz entre os juízes.

Quando usava a palavra, seus pares se calavam em espécie de reverência. Ouviam não apenas o presidente, mas sim o homem exemplar que tanto respeitavam. Não agredia nem nos momentos em que tinha de tomar as mais duras decisões. Talvez a cadeira de presidente nunca tenha sido ocupada de maneira tão adequada. Sua passagem, mesmo tendo sido curta, brilhará para sempre.

Ao se despedir disse que a toga havia gostado de seus ombros. Mais que isso, acho que havia se apaixonado por eles. A impressão que dava era a de que a toga em seus ombros se sentia orgulhosa de estar ali. Por outro lado, a frase que mais se ouviu depois de sua saída é que agora passaria a vestir o bem-merecido pijama da aposentadoria.

Não posso me conformar. Se não me engano em minhas previsões ele terá pelo menos mais uns trinta anos de vida. É muita competência, muito conhecimento, muito brilho para se contentar apenas em assistir em casa aos programas de televisão.

Estão esperando por Ayres Britto as universidades para que ministre suas aulas, os palcos para que profira suas palestras, a tela branca do computador para que escreva seus livros e, quem sabe, uma cadeira de um cargo eletivo para que continue ajudando o país a ter cada vez mais dignidade.

Essa eloquência de Ayres Britto é a que precisamos e desejamos. Sem estardalhaço, sem pirotecnia, sem espetáculos desmedidos. Uma palavra e um gesto que pinte o quadro que sempre esteve em sua mente –dar às pessoas mais justiça, mais esperança e mais qualidade de vida. Tenha paz, mas não descanse, presidente.