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Reinaldo Polito

Oscar poderia ter controlado sem conflitos a plateia?

29/11/2014 13h34

Será que o grande cestinha brasileiro meteu os pés pelas mãos? Sim e não. Vamos analisar os fatos e tirar conclusões e ensinamentos a partir dessa trágica experiência. Oscar Schmidt teve problemas em uma palestra que realizou em Caruaru - PE. Foi vaiado e viu cerca de 500 ouvintes abandonarem o local durante sua apresentação.

A palestra foi realizada num shopping center para uma plateia de mais de dois mil alunos. Os problemas se acumularam. Chegou atrasado ao evento, o computador apresentou problema de compatibilidade e o microfone não funcionou direito. Para piorar, alguns alunos começaram a tirar fotos e a fazer barulho.

Segundo explicações do próprio Oscar, ele chegou atrasado porque os organizadores foram buscá-lo depois do horário combinado. Os problemas com o computador e microfone foram provocados pelas pessoas responsáveis pelo som, que tiveram dificuldade em encontrar os adaptadores necessários para o local.

Nas últimas décadas proferi centenas de palestras, treinei as apresentações de vários palestrantes e tive a oportunidade de presenciar o desempenho da maioria dos grandes nomes que se dedicam a essa atividade. Posso garantir - por mais fascinante e rentável que possa ser essa profissão, exercê-la é sempre muito arriscado.

Já vi alguns serem vaiados por motivos fúteis. Outros, ao contrário, serem retirados do palco com aplausos irônicos. Uma palavra enviesada, uma brincadeira fora de hora, uma informação alheia ao contexto pode ser o estopim para contrariar e até enfurecer o público. Por melhor que seja a apresentação e mais competente que seja o palestrante, nem sempre é possível reverter a situação.

No prefácio que fez para o meu livro “Como falar corretamente e sem inibições”, Blota Júnior, o melhor orador que já conheci, diz com experiência e sabedoria: “Ali está a sua plateia, ou fria, ou indiferente, ou inamistosa, ou expectante, ou fanatizada, ou enlouquecida. A partir do instante em que o orador desfecha a palavra inicial, não mais se pertence ou se protege. Cabe-lhe enfrentar a incontrolável maré, e vencê-la”.

E com a convicção de quem ao longo da vida já havia enfrentado todo tipo de plateia complementa: “Por sua voz, e apenas pelo que fala, ou domina ou se perde. Ou convence, ou se frustra. Pela simples força de sua expressão, terá de conquistar uma vontade esquiva e dispersa. Necessita persuadir, comover, abalar, conduzir a força estranha na direção que deseja”.

Tive experiências pessoais. Certa vez, ao ministrar palestra para uma associação de livreiros, como sempre fazia naquela época, ao falar sobre a importância da emoção, para ilustrar citei os dois últimos debates entre Lula e Collor na campanha presidencial. Era um bom exemplo, pois deixavam bastante claros os conceitos teóricos expostos.

Naquele dia falhou. Assim que mencionei o nome do ex-presidente um dos ouvintes se levantou aos gritos, dizendo que não admitia que aquele senhor fosse mencionado em sua presença. Ficou tão descontrolado que precisaram retirá-lo da sala. Tive de respirar fundo e tomar alguns goles de água para recuperar o equilíbrio.

Depois me contaram o motivo daquele destempero. Ele vendera um imóvel com a intenção de usar o dinheiro para adquirir outro. Só que no meio das transações ocorreu o confisco de Collor que congelou os depósitos em conta bancária com saldo acima de 50 mil cruzados. Ele ficou sem os imóveis e sem dinheiro.

Onde errei? Em situações que mexem muito com a emoção das pessoas a melhor estratégia é não tocar no assunto. Eu deveria ter deixado aquele exemplo de quarentena até que a poeira baixasse. Havia outros bons exemplos que poderiam ser mencionados, mas não tive o cuidado de fazer essa avaliação.

Lógico que os acontecimentos boicotaram a palestra de Oscar Schmidt. Falar para uma plateia de duas mil pessoas não é simples. Além desse desafio natural, ter de superar problemas de som, equipamentos e barulho de estudantes no auditório torna a tarefa ainda mais difícil. Mesmo palestrantes com a experiência de Oscar se sentem fragilizados.

Nessas circunstâncias o orador precisa se concentrar, contar até dez e não reagir emocionalmente. Mesmo morrendo por dentro, esse é o momento para brincar com os fatos, fazer autogozação, não criticar o pessoal responsável pelos equipamentos, nem os organizadores do evento. Muito menos agredir o público.

No instante em que os problemas surgiram, Oscar passava pelo papel de vítima e poderia ter a solidariedade dos ouvintes. Ao reagir emocionalmente, deixou de ser a vítima e se transformou no agressor. Perdeu a solidariedade de parte da plateia e o controle da situação. Ainda que tenha sido aplaudido no final por aqueles que permaneceram, a tragédia estava consumada.

Essa atitude equilibrada deve ser adotada em todas as circunstâncias, seja diante de 2.000 pessoas, seja numa pequena reunião no ambiente corporativo. Quem não se comporta com essa sensatez, passado o momento se arrepende e nem sempre consegue recuperar o que foi destruído.

Também não podemos ser imprudentes. Não devemos confiar que tudo estará funcionando normalmente para a realização da palestra. Um palestrante diligente deve chegar com boa antecedência ao evento e testar todos os equipamentos. Por mais grave que seja o problema, as chances de solucioná-lo será maior.

E mais. A palestra deve ter um plano B. Já fiz palestra em que tudo deu errado com os equipamentos. E mesmo tendo chegado com antecedência não foi possível resolver. Como esses contratempos podem ocorrer, a mesma palestra estava planejada sem uso de recursos audiovisuais. Sobrevivi.

Oscar precisaria ter um plano alternativo. No caso de os equipamentos falharem, poderia substituir com histórias e narrativas. O impacto não seria o mesmo provocado pelos filmes das suas vitórias, mas, na emergência, seria uma maneira de driblar o problema.

Por isso, a resposta para a questão “Oscar Schmidt meteu os pés pelas mãos?” não pode ser apenas um sim ou um não.

Superdicas da semana:

- Tenha um plano alternativo para o caso de os equipamentos falharem.

- Por mais que se sinta atacado pela plateia não reaja emocionalmente.

- Chegue com boa antecedência ao local para testar os equipamentos.

- Evite discutir e culpar os responsáveis pelos equipamentos.

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Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: “Como falar corretamente e sem inibições”, “Assim é que se fala” e “Conquistar e influenciar para se dar bem com as pessoas”.