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Reinaldo Polito

Sucesso é ter voz alta como Fúlvio Stefanini ou baixa como Juca Chaves?

10/02/2015 06h00

Tive um encontro memorável com dois dos maiores nomes do mundo artístico brasileiro – Juca Chaves e Fúlvio Stefanini. Daquelas conversas que você não deseja encerrar nunca. Duas pessoas com estilos tão diversos, com características tão diferentes e que atingiram sucesso excepcional, cada um em sua área de atividade.

Fúlvio tem uma das vozes mais bonitas da televisão e do teatro no Brasil. Bem timbrada, com sonoridade melodiosa, grave, forte e naturalmente impostada. Suas pausas são espontaneamente medidas e sedutoras. Juca Chaves, ao contrário, tem voz baixa, com timbre característico incomparável, quase sussurrada.

Qual das duas é melhor para a comunicação? As duas. Desde que bem utilizadas. Fúlvio me disse que a voz forte é uma vantagem não só no teatro, pois enche o ambiente com facilidade, mas também no relacionamento do dia a dia. Assim que começa a falar, já nos cumprimentos todos à sua volta prestam atenção.

Comentou ainda que não adianta apenas ter voz forte, pois há circunstâncias no teatro, e não são poucas, em que o ator precisa falar baixo e mesmo assim fazer com que a voz chegue bem até o fundo da sala. Se gritar ou falar baixo demais perde a interpretação. Ou seja, o segredo está na projeção da voz.

Ao dar essa explicação de quem entende muito do assunto, Fúlvio fez um gesto com a mão, imitando o lance do Didi ao fazer gol de folha seca. A voz saindo do palco, subindo sobre a plateia e caindo nas últimas fileiras do auditório. Mesmo tendo entendido perfeitamente a mensagem, fiquei com vontade de pedir que repetisse, só para ver o gesto de novo.

Juca Chaves tem humor fino, inteligente, instigante. Não perde a oportunidade de fazer autogozação. Ele se diverte brincando com ele mesmo. Sabe projetar muito bem sua voz. Consegue ser ouvido a distância considerável sem ter de falar mais alto ou fazer qualquer tipo de esforço vocal.

Juca relatou com impressionante desenvoltura sua malsucedida experiência de montar o Jucabaré, a ideia de uma casa de show que trouxe da época em que esteve exilado na Itália. Todos nós em volta da mesa do almoço nos deliciávamos e ouvíamos atentamente cada etapa da sua narrativa.

Sua voz pequena transpirava personalidade. Com capacidade de interpretação invejável não precisou em nenhum momento aumentar o volume para poder ser ouvido. Provocou risos ao revelar que montou sua casa de shows no mesmo prédio onde funcionara durante anos o La Licorne, na rua Major Sertório em São Paulo.

Por que não deu certo? Perguntava para depois responder com voz de deboche: as pessoas iam ao show, gostavam muito, mas sempre perguntavam onde estavam as mulheres de programa. Aquele lugar estava marcado pelas mulheres que se dedicavam às aventuras sexuais. Show sério não tinha vez.

Como é possível duas vozes tão distintas serem tão atraentes e participarem de carreiras tão bem-sucedidas? Quem nos explica é o padre Antonio Vieira, no Sermão da Sexagésima. Afinal, sua autoridade se assenta no fato de ter sido um dos melhores oradores do mundo em todos os tempos.

Esse sermão foi pregado aos padres na Capela Real em 1655. Essa foi uma das melhores aulas sobre a arte de falar de que se tem notícia. Nessa peça oratória há tudo o que se precisa saber de relevante sobre o orador, o tema e os ouvintes. Entre todos os aspectos importantes da comunicação, Vieira fala sobre a voz.

A partir de suas reflexões, conseguimos compreender os motivos que levam duas vozes distintas como as de Fúlvio Stefanini e Juca Chaves a encantar multidões ao longo de todas essas décadas, tanto atuando no teatro quanto na televisão. Vejamos como Vieira trata esse tema fascinante.

O pregador defende, antes, o uso da voz forte, a de Stefanini. “Antigamente pregavam bradando, hoje pregam conversando. Antigamente a primeira parte do pregador era boa voz e bom peito. E verdadeiramente, como o mundo se governa tanto pelos sentidos, podem às vezes mais os brados que a razão”.

Apoia ainda sua tese inicial em exemplos da própria história de Cristo: “Diz o Evangelho que começou o Senhor a bradar. Bradou o Senhor, e não arrazoou sobre a parábola, porque era tal o auditório, que fiou mais dos brados que da razão”. E reforça dizendo: “Perguntaram ao Batista quem era? Respondeu ele: Eu sou uma voz que anda bradando neste deserto”.

E Vieira, não contente apenas com as considerações iniciais, acentua: “Pois por que se definiu o Batista pelo bradar e não pelo arrazoar; não pela razão, senão pelos brados? Porque há muita gente neste mundo com quem podem mais os brados que a razão”. E um exemplo para robustecer o raciocínio:

“Depois que Pilatos examinou as acusações que contra ele se davam, lavou as mãos e disse: Eu nenhuma causa acho neste homem. Neste tempo todo o povo e os escribas bradavam de fora, que fosse crucificado. De maneira que Cristo tinha por si a razão e tinha contra si os brados. E qual pode mais? Puderam mais os brados que a razão”.

Conclui Vieira: “E como os brados no mundo podem tanto, bem é que bradem alguma vez os pregadores, bem é que gritem”. “Há de ser a voz do pregador, um trovão do Céu, que assombre e faça tremer o Mundo”. O sucesso da voz retumbante de Fúlvio Stefanini se ampara, portanto, nessas considerações de Vieira.

E a voz de Juca Chaves, será que encontra respaldo nas palavras de Vieira? Vejamos o que diz o padre em sua pregação: “Mas que diremos à oração de Moisés? Desça minha doutrina como chuva do céu, e a minha voz e as minhas palavras como orvalho que se destila brandamente e sem ruído”. E não só, pois Vieira também se respalda em Isaias:

“Não clamará, não bradará, mas falará com uma voz tão moderada que se não possa ouvir fora. E não há dúvida que o praticar familiarmente, e o falar mais ao ouvido que aos ouvidos, não só concilia maior atenção, mas naturalmente e sem força se insinua, entra, penetra e se mete na alma”.

Aprendemos assim com Vieira que a voz pode ser tão eficiente no brado quanto no arrazoado. Às vezes devemos bradar como Fúlvio e em outros momentos insinuar e arrazoar como Juca. Bradar para que o mundo trema à nossa volta. Insinuar, falar ao ouvido e não aos ouvidos, para que chegue mais facilmente à alma..

SUPERDICAS DA SEMANA

- Se for preciso, brade com voz de trovão para mover as pessoas
- Se julgar adequado, fale com voz suave para penetrar a mente e o juízo dos ouvintes
- Mais que gritar ou falar baixo, aprenda a projetar bem a voz
- Observe como os grandes oradores usam a voz e aprenda com eles

Livros de minha autoria que podem ajudar na reflexão desse tema: “Assim é que se fala”, Como falar corretamente e sem inibições”, “Superdicas para falar bem” e “As melhores decisões não seguem a maioria””, publicados pela Editora Saraiva.