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Reinaldo Polito

O equívoco na comunicação do governo

15.mar.2015 - Homem faz panelaço em SP, durante entrevista de ministros - Danilo Verpa/Folhapress
15.mar.2015 - Homem faz panelaço em SP, durante entrevista de ministros Imagem: Danilo Verpa/Folhapress

31/03/2015 06h00

Logo após as manifestações do dia 15 de março, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e o da Secretaria-Geral da Presidência da República, Miguel Rossetto, concederam entrevista coletiva com intenção de defender o governo e minimizar a importância da participação popular.

O resultado não foi dos melhores. Quando a população percebeu o tom da entrevista mais uma vez partiu para o panelaço. Uma maneira de mostrar e reiterar sua insatisfação. Os ministros foram infelizes na forma e no conteúdo da mensagem. Onde, entretanto, está o equívoco da comunicação?

Antes de analisar as falhas da entrevista vamos refletir melhor sobre o fenômeno dessas manifestações, que de uma maneira ou de outra surpreenderam a maioria de nós, desde as passeatas de 2013. Sem contar que a participação popular talvez seja ainda mais expressiva no próximo dia 12.

Caíram por terra as afirmações de que os brasileiros só se manifestam pelas redes sociais, mas são apáticos quando precisam participar de maneira mais efetiva. O que explica essa mudança de comportamento? Como entender que pessoas que fugiam de qualquer discussão política, agora desfraldam bandeiras e gritam palavras de ordem?

O sociólogo francês Jean Baudrillard nos dá algumas pistas. De acordo com as reflexões do autor de "Para uma crítica da economia política do signo", a massa tem poder de resistência. Diz que num primeiro momento, embora a indignação estivesse presente, as pessoas não tinham condições de resistir.

Baudrillard afirma que até o princípio do século passado se imaginava, equivocadamente, que a massa poderia ser sempre manipulada, pois não tinha vontade própria. Era quase consenso que a população se constituía de um conjunto de indivíduos alienados e sem consciência crítica.

Quase ninguém duvidava de que a sociedade assumia sempre um conteúdo imposto por interesses do poder instalado, que não era seu. Diz o pensador que hoje, diferentemente, sabe-se que as pessoas não estão vinculadas ao conteúdo, ao contrário, elas resistem ao conteúdo.

A partir da modernidade, as amarras que prendiam suas ações foram sendo rompidas e se tornou praticamente impossível impedi-las de oferecer resistência. Não é possível prever o comportamento das massas e aí é que se encontra o poder da resistência.

Baudrillard afirma que a massa deseja o espetáculo, mas da mesma forma como comparece ou se manifesta favorável ou contrariamente a um determinado conteúdo por causa do seu revestimento estético, nada garante que esse mesmo comportamento poderá ser mantido em outras circunstâncias.

E o equívoco da entrevista? Voltemos um pouco no tempo. Depois de ter atuação destacada como deputado federal em várias legislaturas por Minas Gerais, especialmente pela excepcional habilidade oratória, Ibrahim Abi-Ackel foi convidado em 1980 pelo governo Figueiredo para ser o Ministro da Justiça. Exerceu essa função até 1985.

Assim que chegou ao ministério cometeu os mesmos erros de comunicação dos dois ministros de Dilma. A população queria se livrar da ditadura militar. Mesmo aqueles que haviam concordado com a "revolução" de 1964 já estavam cansados da falta de liberdade e queriam mudanças.

Em vez de adotar o "discurso" da população e ir ao encontro de seus anseios, Abi-Ackel usou sua oratória para defender o governo e justificar as ações dos militares. Perdeu o encanto. O povo só não bateu panelas porque debaixo da ditadura pouca gente tinha coragem de se manifestar.

Quando Cardozo e Rossetto tentaram comparar as manifestações do dia 15 com o pequeno movimento patrocinado pelo partido do governo dois dias antes, levantaram ainda mais a resistência da população. Mesmo dizendo que as manifestações eram legítimas e próprias da democracia, terminavam fazendo algum tipo de crítica, direta ou velada.

Afagavam com certa precipitação as opiniões contrárias para depois enfatizar que os manifestantes não eram aqueles que votaram em Dilma, ou que a participação popular deve ser respeitada, mas não se pode admitir o golpismo ou terceiro turno. Defesas desnecessárias e sem efeito prático positivo.

Essas palavras não conseguiam esconder a verdadeira intenção, que era a de fazer a defesa do governo. Discurso que só serviu para entrincheirar ainda mais aqueles que precisavam ser conquistados. Sim, porque essa mensagem agradava os adeptos do PT e dos defensores da presidente, mas contrariava ainda mais quem havia se manifestado.

Esse é um princípio básico de comunicação –evitar o confronto com as opiniões contrárias, principalmente em circunstâncias de grande comoção. Diante da primeira contrariedade a mente do ouvinte se fecha e as defesas ficam praticamente impenetráveis.

Provavelmente o resultado da entrevista teria sido mais positivo se ao invés de criticar a atitude dos manifestantes, pegassem parte das reinvindicações, como o combate à corrupção, por exemplo, e transformassem essa pauta na mensagem do governo. Poderiam dizer que o governo também está ouvindo o grito das ruas e fará desses clamores as diretrizes para suas ações.

Talvez tivessem mais sucesso se destacassem que o combate sem tréguas à corrupção seria o principal objetivo do governo para que a população pudesse ter resposta rápida à sua indignação. Sem fazer a defesa direta do governo, mas adotando um dos pontos mais importantes do descontentamento popular poderiam evitar boa parte do confronto direto. Lógico que para não comprometer ainda mais a credibilidade deveriam cumprir a promessa.

Os exemplos dos ministros são ainda mais emblemáticos porque os dois são bons oradores. De nada adianta, todavia, ser articulado, expressivo, elegante e até sedutor na forma se a estratégia for defeituosa. Portanto, tão importante como falar é o que falar e para quem falar.

A boa conjugação desses três aspectos da comunicação é que pode produzir um resultado vitorioso. Ainda dá tempo para que acertem o rumo, pois outras manifestações virão e outras entrevistas serão necessárias.

SUPERDICAS DA SEMANA

- Em situações de confronto, adote o discurso contrário para desarmar os adversários
- Jamais concorde demonstrando se tratar de artifício só para discordar
- A parte contrária só se desarmará se perceber que as ideias que defende prevaleceram
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Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse assunto: “Conquistar e influenciar para se dar bem com as pessoas”, “Como falar corretamente e sem inibições”, “Superdicas para falar bem” e “As melhores decisões não seguem a maioria”, publicados pela Editora Saraiva