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Reinaldo Polito

Presidente do Santos usa argumento de Shakespeare para acionar Neymar

02/06/2015 06h00

O presidente do Santos, Modesto Roma tenta reaver na FIFA valores que teriam sido pagos pelo Barcelona na transação de Neymar, no início de 2013, mas não recebidos pelo clube bicampeão mundial. Ao fazer pronunciamento na Vila Belmiro, o mandatário santista ficou emocionado e chorou. 

Só para entender resumidamente o fato. O Santos quer receber a diferença acrescida de juros entre os valores revelados de aproximadamente 57 milhões de euros para mais de 83 milhões de euros, aferidos pela justiça espanhola. Além disso, a equipe santista pleiteia indenização por danos e pagamentos das despesas que terá com a ação. 

Ao envolver Neymar, o pai do jogador e a empresa dos dois, Modesto Roma explicou que a ação não é contra o craque, que foi ídolo santista, o maior artilheiro do time peixeiro depois da fase Pelé, e até hoje é lembrado com saudade pelos torcedores, mas sim a favor do Santos. Falou com dificuldade para segurar as lágrimas.

Foram suas palavras: “O Santos Futebol Clube respeita e idolatra todos os seus ídolos, os temos como o nosso bem maior, mas hoje vamos falar não sobre um ídolo, e sim sobre relações comerciais e de negócios do clube. No dia de ontem, o Santos interpôs uma demanda arbitral diante da Fifa em face do Barcelona, do senhor Neymar da Silva Santos, do Neymar da Silva Santos Júnior e da empresa Neymar Sport e Marketing”.

Disse ainda: “O Santos pretende ter indenização e fará uso de todas as vias legais para salvar os seus direitos com advogados em Madri e em São Paulo. Não estamos demandando contra o ídolo, mas em prol do Santos Futebol Clube. Não poderíamos nos omitir nessa situação agora”.

Antes de chamar Shakespeare para participar dessa conversa, quero fazer referência a uma frase que meu avô gostava de repetir quando, apesar das atenuantes, a regra devia ser seguida: tem razão, mas vai preso. Pois é, o Santos idolatra Neymar, mas precisa cuidar de seus interesses e receber o dinheiro que lhe é devido.

O argumento de Shakespeare, guardadas as devidas diferenças, é semelhante. Na obra “Júlio César”, Shakespeare relata que os cidadãos romanos, que veneravam César até a véspera de sua morte, queriam uma explicação por terem tirado a vida daquele que tanto gostavam. É a cena II: O Forum.

Depois de dividirem os cidadãos em dois grupos, um que ouviria Cássio, e outro que ouviria Bruto, disse um cidadão – O nobre Bruto já está na tribuna. Silêncio! Bruto pede que sejam pacientes até o fim. Que guardem silêncio para que possam ouvi-lo. Roga que respeitem sua honra para que possam acreditar em suas palavras.

Bruto começa sua argumentação dizendo: Se houver nessa assembleia algum amigo caro a César, digo-lhe que o afeto de Bruto por César não era menor do que o dele. Se então esse amigo perguntar porque Bruto se levantou contra César, esta é a minha resposta: “Não que amasse menos César, porém porque amava mais a Roma”.

E continua argumentando: Preferiríeis que César vivesse e morrêsseis todos escravos, a César morresse e vivêsseis todos livres? César gostava de mim e eu choro por ele; ele foi afortunado, eu me alegro; foi valente, eu o venero; mas como foi ambicioso, eu o matei.

Há lágrimas para sua amizade; júbilo para sua fortuna; honra para seu valor; e a morte para sua ambição. Quem é aqui tão vil que deseje ser escravo? Se alguém existe, que fale, porque eu o ofendi! Quem é aqui tão estúpido que não queira ser romano? Se existir, que fale, porque eu o ofendi! Quem é aqui tão baixo que não ame sua pátria? Se existir, que fale, porque eu o ofendi. Espero uma resposta.

E todos responderam: Não há, Bruto, não há. E parte Bruto para a conclusão: Então, não ofendi ninguém. Nada mais fiz com César do que teríeis feito com Bruto! Os motivos da morte dele estão registrados no Capitólio. A glória que lhe valeram os méritos, que lhe valeram a morte.

Pois é, se Modesto Roma perguntasse, com ou sem lágrimas, se os torcedores do Santos pleiteariam o dinheiro que é devido ao clube, ainda que idolatrem Neymar, a resposta, provavelmente, seria única – sim, queremos a parte que nos cabe. Foi bem o presidente santista com sua linha de argumentação. Shakespeare na voz de Bruto não faria melhor.

SUPERDICAS DA SEMANA

- Procure incluir na sua argumentação questões de princípios
- Só pergunte aos ouvintes se todos agiriam como você agiu se tiver certeza da resposta
- Não se precipite com as conclusões. Estabeleça antes as premissas
- As lágrimas quando parecerem verdadeiras ajudam a dar credibilidade aos argumentos

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse assunto: “Assim é que se fala”, “Conquistar e influenciar para se dar bem com as pessoas”, “Como falar corretamente e sem inibições”, “Superdicas para falar bem” e “As melhores decisões não seguem a maioria”, publicados pela Editora Saraiva.