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Reinaldo Polito

Presidente do PT usa recurso de retórica para falar sobre prisão de Dirceu

Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
Imagem: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

06/08/2015 06h00

O dilema é um argumento difícil de ser refutado. Ele contém duas proposições contrárias, que se tornam condicionais e se juntam para chegar à conclusão pretendida. Por exemplo: Os assaltantes entraram no estabelecimento comercial sem que o vigilante percebesse. Ou ele não estava vigiando, ou não estava presente. Esse é um dilema.

Se não estava vigiando, não cumpriu seu dever profissional. Se não estava presente, abandonou seu posto de trabalho sem ser autorizado. Em todas as hipóteses, deveria ser demitido. Essas duas proposições são contrárias, condicionantes e se somam para chegar à conclusão de que ele deveria ser desligado.

O presidente do PT, Rui Falcão, vive um dilema profundo com a detenção de José Dirceu. Se ele fizesse defesa ostensiva do ex-presidente do seu partido, e que foi o braço direito de Lula, atuando como ministro-chefe da Casa Civil, poderia contaminar e agravar ainda mais a imagem da instituição que preside. Se não se pronunciasse em sua defesa, poderia passar a imagem de quem abandonou um velho companheiro.

A atitude tomada por Falcão segue as orientações das técnicas oratórias e que se constitui em saída para essas situações –o uso de argumentos óbvios.  É um recurso em que o orador passa a impressão de estar fazendo a defesa de uma causa, mas que ao mesmo tempo o protege de associações indesejáveis.

Ao falar com os jornalistas, o presidente do PT disse: “Não estamos abandonando nenhum companheiro. Mas, independentemente disso, não se deve presumir a culpa. Para mim, qualquer pessoa que seja acusada, não só o Zé Dirceu, é inocente até que se prove o contrário”.

Ora, é evidente que qualquer pessoa deve ser considerada inocente até que se prove o contrário. Com essa afirmação óbvia, ele rompe o dilema. Consegue, sem se comprometer, passar a impressão de que faz a defesa da inocência de José Dirceu. Não disse que Dirceu é inocente, mas sim que qualquer pessoa deve ser considerada inocente até que se prove o contrário.

Para reforçar ainda mais a posição de quem faz a defesa, mas sem o risco de se envolver, Falcão diz ainda: “O ônus da prova é de quem acusa e é preciso que o companheiro José Dirceu possa fazer a contradita às acusações que estão sendo veiculadas contra ele em caráter pessoal por delatores da Lava Jato. Há indícios que precisam ser transformados em provas”.

Complementa: “A pessoa acusada tem que ter o direito à ampla defesa. Não estamos abandonando nenhum companheiro nosso. Não se deve presumir culpa antes de ser comprovada. No Brasil, atualmente, se está invertendo esse princípio”. O recurso de defesa segue a mesma linha. O orador faz uma afirmação com a qual todos devem concordar, e induz o leitor ou ouvinte à conclusão de que a causa defendida se enquadra nesse princípio.

Outra estratégia utilizada em sua linha de argumentação é o uso do termo “delatores”. Essa palavra sempre teve um sentido pejorativo. Pressupõe a traição, a falta de honradez de conduta. Sem afirmar que as acusações são mentirosas, deixa no ar a ideia de que quem faz as acusações talvez seja desqualificado.

Não apenas no caso do dilema, mas em várias situações, o recurso do argumento óbvio pode ser útil. Assim, ao fazer uma afirmação com a qual todos concordam, o orador estabelece uma premissa. Ao concordar com essa premissa, o ouvinte pode ser levado à conclusão desejada pelo defensor da causa.

SUPERDICAS DA SEMANA

- Estabeleça uma premissa óbvia para levar o ouvinte à conclusão desejada
- Use o argumento óbvio para quebrar a estrutura de um dilema
- Não use um argumento polêmico para defender outro argumento polêmico
- Se o ouvinte não concordar com um dos argumentos polêmicos, também não concordará com o outro

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse assunto: "Assim é que se fala", "Como falar corretamente e sem inibições”, "Oratória para advogados e estudantes de direito", “Superdicas para falar bem”, “Conquistar e influenciar para se dar bem com as pessoas” e "As melhores decisões não seguem a maioria", publicados pela Editora Saraiva.