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Reinaldo Polito

Você pode chorar no seu trabalho, assim como Cunha chorou ao renunciar?

11/07/2016 13h12

Uma das questões mais recorrentes nos últimos dias foi se o choro de Eduardo Cunha, ao anunciar sua renúncia à presidência da Câmara dos Deputados, foi verdadeiro. Afinal, como poderia embargar a voz e derramar lágrimas aquele que sempre se mostrou tão frio e impassível diante das situações mais difíceis e delicadas? Esse descontrole emocional parece não combinar muito com a personalidade dele.

Capacidade para interpretar um personagem que chora diante de uma desgraça, parece que ele tem. Motivos para se descontrolar ao se referir às pressões que sua família tem sofrido nos últimos tempos, também. Afinal, suas lágrimas foram sinceras ou não passaram de um teatro para ser visto como vítima das acusações que recebe?

Outros políticos já choraram

Não é de hoje que os políticos derramam lágrimas em público. Algumas sinceras. Outras nem tanto. A história recente traz exemplos marcantes de políticos que se descontrolaram em lágrimas. Um episódio lembrado por aqueles que estudaram os anos da redemocratização brasileira ou viveram neles foi protagonizado pela economista Maria da Conceição Tavares.

Ao apoiar o plano cruzado, baixado pelo então presidente José Sarney em 1986, apesar da sua larga experiência no trato das questões econômicas, ela chorou diante de milhões de telespectadores, ao falar sobre o assunto em um programa da TV Globo. A cena foi registrada também em matéria de capa da revista “Isto É”.

Merece registro também um choro – na verdade, foram dois choros – de José Roberto Arruda, quando ocupava o cargo de senador em 2001. Num primeiro momento, chorou jurando que era inocente na acusação que pesava sobre ele no caso da violação do painel eletrônico durante a votação que cassou o senador Luiz Estevão.

Não havia passado uma semana, e lá estava ele chorando de novo. Dessa vez para admitir que havia faltado com a verdade, e que a diretora da Prodasen, Regina Peres Borges, que o contrariava, estava certa em suas afirmações de que ele havia violado o segredo do painel. Por ter chorado duas vezes, uma para dizer que não, outra para dizer que sim, suas lágrimas não convenceram nem no primeiro, nem no segundo choro.

Por isso, quando um político se derrama em lágrimas, nem sempre as pessoas acreditam em sua sinceridade.

Mesmo tendo motivos fortes, como no caso de Eduardo Cunha, fica uma pulga atrás da orelha. E muitos questionam se ele chorou mesmo de verdade. Especialmente no seu caso, por ser visto sempre como uma pessoa inabalável

Sem contar que no dia a dia, fora do ambiente político, o choro é utilizado também como meio de vida. Policiais, promotores e juízes têm larga experiência com esse teatro, pois sabem que alguns marginais que maltratam suas vítimas durante os crimes que cometem, quando são apanhados, fazem-se de coitadinhos e quase sempre alegam inocência até com lágrimas nos olhos.

Pode chorar em público?

E o choro na vida corporativa? Como é visto um profissional que se descontrola emocionalmente? As reações emocionais devem levar em conta as raízes culturais. Edward T. Hall e William Foote Whyte, na obra “Teoria da Comunicação”, comentam: “Consideremos a tradição anglo-saxã de se manter calmo. O americano aprende, em sua cultura, a reprimir sentimentos. Ele é condicionado a achar que a emoção é um mal (exceto nas mulheres fracas e desamparadas) e o autocontrole rígido é um bem”.

Já os árabes não se incomodam de revelar seus sentimentos. Choram sem constrangimentos em ambientes públicos ou privados. Encaram o choro como demonstração de sinceridade. Vemos com frequência pela televisão, em ruas e praças públicas de cidades do Oriente Médio, homens em prantos, chorando de maneira convulsiva. Na cultura árabe, esse comportamento é visto com naturalidade.

Esses exemplos culturais propõem valores radicalmente opostos. Entre um e outro há amplo campo de análise em que o choro, dependendo do contexto, pode ou não ser considerado positivo ou negativo. É nesse terreno intermediário que nós brasileiros nos colocamos. E essa situação não é nada confortável. Pelo fato de podermos ser vistos com benevolência ou severidade quando choramos, não sabemos bem como nos comportar. Afinal, devemos ou não reprimir essas demonstrações emocionais?

Excetuando-se as situações mais íntimas, ainda que a nossa cultura não proponha a mesma rigidez dos anglo-saxões com relação às demonstrações de emoção, devemos evitar o choro em público.

Mais ainda quando defendemos uma ideia, uma causa, a sensação que as pessoas terão talvez seja a de que aquele que chora abandonou a razão e se perdeu na emoção.

Como controlar a emoção

O choro é o resultado de uma forte emoção. Wilhelm Reich, na sua obra “Análise do Caráter” apresenta um conceito interessante sobre a emoção: “Definida literalmente, a palavra 'emoção' significa 'movimento para fora' ou 'expulsão'. Assim, não somente podemos, como devemos usá-la no sentido literal para nos referirmos a sensações e movimentos (...) Alguma coisa no sistema vivo 'pressiona a si mesma para fora' e, portanto, se 'move'. (...) O organismo vivo se expressa em movimentos: por isso falamos de movimentos expressivos”.

Parece ser o choro a emoção que mais se identifica com esse “movimento para fora” ou “expulsão”. Vale ainda considerar a explicação que o autor dá para a origem da emoção: “Alguma coisa no sistema vivo pressiona a si mesma para fora”. Ora, essa “coisa” a que se refere Reich, depois de acionada, inicia o processo de 'expulsão', que nem sempre pode ser controlado.

A solução, portanto, para evitarmos o choro é nos prepararmos para que o processo de “expulsão” não seja iniciado, ou que pelo menos seja atenuado.

Alguns assuntos nos emocionam e podem nos fazer chorar. Os mais comuns são aqueles que falam de nossos familiares e amigos, especialmente daqueles que já faleceram. Para essas situações, temos saídas. 

Uma delas é exercitar diversas vezes a apresentação. Você chora na primeira vez em que se referir a eles. Irá se controlar mais na próxima vez. E ficará mais calmo à medida que for repetindo a informação. Quando chegar o momento de se apresentar diante do público, talvez volte a se emocionar e até chore, mas não da maneira descontrolada como se comportou ao proferir as palavras pela primeira vez.

Se depois desse ensaio, ainda assim sentir que não irá resistir e que será dominado pela emoção diante do público, evite a informação e não toque no nome dessas pessoas. Se Eduardo Cunha não tivesse feito referências a sua família, não teria chorado. Ou teria?

Superdicas da semana

  • Ensaie bastante sua apresentação citando os fatos que possam emocioná-lo
  • Depois de algumas vezes, dominará mais as emoções
  • Se ficar emocionado, faça uma pausa, tome um gole de água e respire fundo
  • Há situações, como no caso das homenagens, em que chorar pode ser sinal de sinceridade

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante, e "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas", "As Melhores Decisões não Seguem a Maioria" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva.

Para outras dicas de comunicação, entre no meu site (link encurtado: http://zip.net/bcrS07)
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