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Reinaldo Polito

Se você não falar bem, deixará que mentiras o vençam na vida e no trabalho

06/12/2016 06h00

Certa vez, ainda no início da minha carreira como professor de oratória, conversava com um de nossos alunos que estava junto com a mulher. Em determinado momento ele disse que desejava muito que a filha fizesse o curso comigo. A mulher, depois de hesitar por alguns instantes, disse com voz firme: "Acho que não. Não gostaria que ela fizesse um curso que ajuda a mentir".

Fiquei chocado. Jamais imaginei que alguém pudesse ter esse tipo de opinião. De lá para cá, de forma mais ou menos contundente, vez ou outra ainda constato que algumas pessoas se manifestam com ponto de vista semelhante. Dizem, por exemplo, que os políticos são mentirosos contumazes, e que aprenderam técnicas para agir assim.

Não há como negar que as técnicas da oratória podem mesmo servir tanto para o bem como para o mal. Foi a palavra que promoveu a paz, fazendo com que povos que viviam digladiando passassem a conviver em harmonia. Foi a palavra também que levou povos a iniciarem guerras que dizimaram populações inteiras.

Quando o ex-presidente Jânio Quadros participou de um dos eventos do nosso curso de Expressão Verbal, abordou com muita propriedade esse tema.

(Ouça o trecho abaixo e leia alguns destaques do que ele falou, a seguir)

Comentou como a palavra pode ser usada para diferentes finalidades, tanto para as boas causas como para as más. Assim falou o famoso orador: 

“A palavra é extraordinariamente poderosa. Ela é dúctil. Ela pode ser boa e pode ser má. Ela pode ser suave e pode ser áspera. Ela pode ser franca e pode ser velada. Ela pode ser honesta e pode ser malévola. A palavra em si tem mesmo o fogo da inspiração divina.

Mas a palavra é a bíblia também. Leiamo-la no velho testamento e no novo testamento. A palavra levou os profetas a divulgarem a advinda de Cristo, e a palavra levou os apóstolos a anunciarem a sua morte e a sua glorificação. A palavra permitiu ao apóstolo João escrever o apocalipse, que não conseguimos interpretar até hoje, pois nem sempre sua leitura é satisfatória.

De sorte que as palavras podem ser temíveis sim, e podem voltar-se contra quem as utilize. Elas são armas de dois gumes. Daí o cuidado que devemos ter no usá-la; esse dom divino não nos veio gratuitamente, ele nos veio com a razão, com a experiência e com o estudo”.

Retórica é arma para combater o mal e a mentira

Há pouco tempo folheava a 6ª edição do livro “Lições elementares de eloquência nacional”, de Francisco Freire de Carvalho, publicada em 1861. Na abertura da obra encontrei uma anotação feita à mão em 1890. Reproduzia um trecho do livro “Doutrinas Cristãs”, de Santo Agostinho. Uma preciosidade!

Nesse texto, Santo Agostinho faz a defesa do estudo da retórica. Explica que é a arma que temos à disposição para combater o mal e a mentira. É uma mensagem tão excepcional que eu e a Rachel Polito usamos na conclusão do livro que acabamos de escrever, “Oratória para pregadores":

“É um fato que, pela arte da retórica, é possível persuadir o que é verdadeiro como o que é falso. Quem ousará, pois, afirmar que a verdade deve enfrentar a mentira com defensores desarmados? Seria assim? Então, esses oradores, que se esforçam para persuadir o erro, saberiam desde o proêmio conquistar o auditório e torná-lo benévolo e dócil, ao passo que os defensores da verdade não o conseguiram? ”

Depois de levantar até de forma irônica esse questionamento, Santo Agostinho repete o argumento com termos diferentes, mostrando indignado antes a vantagem de quem usa a palavra para o mal sem ser contestado, já que os oponentes não estariam capacitados para a defesa do bem e da verdade:

“Aqueles apresentariam a verdade de maneira a torná-la insípida, difícil de compreensão e finalmente desagradável de ser criada? Aqueles, por argumentos falaciosos, atacariam a verdade e sustentariam o erro, e estes seriam incapazes de defender a verdade e refutar a mentira? ”

Com afirmações mais contundentes, resvalando no patético, ainda mais indignado, Santo Agostinho insiste na defesa de sua tese. Observe como suas palavras, sem abandonar o tom irônico, são agora mais duras. Se havia alguma dúvida sobre suas ponderações, este seria o golpe final: 

“Aqueles, estimulando e convencendo por suas palavras os ouvintes ao erro, os aterrorizariam, os contristariam, os divertiriam, exortando-os com ardor, e estes estariam adormecidos, insensíveis e frios ao serviço da verdade? Quem seria tão insensato para assim pensar? ”

Finalmente, após impregnar a mente do leitor com a força de seus argumentos, conclui com uma reflexão. Ora, se os leitores aceitaram suas alegações iniciais, as chances de que chegassem à conclusão que pretendeu seriam maiores. Para que não ficasse dúvida, entretanto, assim que termina a reflexão ele expõe o que poderá ocorrer se a defesa da verdade e das boas causas não prevaleçam:

“Visto que a arte da palavra possui duplo efeito (o forte poder de persuadir seja para o mal, seja para o bem), por qual razão as pessoas honestas não poriam seu zelo a adquiri-la em vista de se engajar ao serviço da verdade? Os maus põem-na ao serviço da injustiça e do erro, em vista de fazer triunfar causas perversas e mentirosas”.

Saber falar ajuda a combater mentiras na vida e na carreira

Assim devemos encarar o estudo da oratória. Esse é e sempre deverá ser o percurso no estudo da retórica. Precisamos desenvolver a arte de falar em público com afinco e determinação para que possamos nos capacitar para enfrentar a falsidade, a mentira e a dissimulação. Caso contrário, aqueles que a dominarem para o mal, sem encontrar adversários à altura farão prevalecer suas teses.

E não apenas as grandes maldades, mas principalmente aquelas que nos cercam no dia a dia, no relacionamento social ou nas atribulações da vida corporativa. Quantos projetos excelentes são recusados porque receberam de seus opositores ataques mentirosos ou equivocados, e seus defensores não foram capazes de refutar as posições contrárias!

Os trabalhos, ideias, projetos, propostas e tarefas só conseguirão êxito se forem defendidos de forma competente. Por mais elevada que seja uma causa, por si, apenas a força da sua correção, talvez não seja suficiente para afastar os que se opõem a ela. Precisam quase sempre contar com o apoio da boa comunicação para que atinjam seus objetivos.

Superdicas da semana

- Desenvolva as boas técnicas da comunicação para que sua verdade prevaleça
- Nos velhos livros sempre encontramos lições atuais
- Leia os bons filósofos e bons teólogos. Eles têm muito a nos dizer
- A palavra serve para o bem e para o mal. Que as nossas mensagens sejam sempre para o bem.

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante, e "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas", "As Melhores Decisões não Seguem a Maioria" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva.

Para outras dicas de comunicação, entre no meu site (link encurtado: http://zip.net/bcrS07)
Escolha um curso adequado as suas necessidades (link encurtado: http://zip.net/bnrS3m)
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