IPCA
0,83 Abr.2024
Topo

Reinaldo Polito

Delator ou delatado: qual deles está mentindo nos depoimentos à Lava Jato?

Getty Images
Imagem: Getty Images

16/05/2017 04h00

Você viu os depoimentos dos marqueteiros? E as delações dos donos das empreiteiras? Pois é, não se fala em outro assunto no país. Há um bom tempo. Em qualquer roda de conversa o tema é quase sempre sobre os depoimentos à Lava Jato. Com o aumento do número de delações premiadas, os meios de comunicação trazem a todo instante as notícias de corrupção. Especialmente os vídeos que impressionam ainda mais.

Para se beneficiarem da redução das penas que lhes seriam impostas, os delatores têm uma obrigação: dizer sempre a verdade e provar que as informações fornecidas se apoiam em indícios coerentes e prováveis. Se mentirem ou deixarem de fornecer informações relevantes, perdem o direito ao benefício e cumprem a pena que quase sempre é muito pesada.

Apesar de ser mínima a possibilidade de a delação ser falsa, em praticamente todos os casos os delatados dizem que os delatores mentem. Por que eles mentiriam? Segundo os delatados, os delatores inventam histórias para se livrar das penas. Dizem que, como estão desesperados, forjam narrativas fantasiosas.

Afinal, quem está dizendo a verdade? Os delatores ou os delatados? Cabe à justiça decidir. Mas como tomar a melhor decisão se os crimes de corrupção nem sempre deixam “impressões digitais”? Como não errar se os corruptos ou corruptores, a não ser em casos de muita negligência, não deixam rastros dos crimes que cometeram?

A comunicação atua como elemento revelador

O juiz deve se basear nas provas apresentadas, especialmente as documentais, mas também nos indícios e no cruzamento dos testemunhos. Se o magistrado for muito experiente, também poderá saber se está diante da mentira ou da verdade observando o comportamento dos depoentes pela forma como se expressam.

Considerando ainda que um réu não precisa dizer a verdade, pois não está obrigado a produzir provas contra si mesmo, descobrir se alguém mente se torna desafio ainda mais complexo.

Essa habilidade para perceber se uma pessoa está ou não mentindo ajudará o juiz a insistir em determinados pontos ou solicitar novas diligências a respeito de aspectos que não lhes pareceram verossímeis ou esclarecedores.

A dificuldade para se perceber a mentira de alguém

O pesquisador David Livingstone Smith afirma na sua obra “Os fundamentos biológicos da mentira” que uma pessoa, a cada dez minutos, conta em média três mentiras. Achou exagerado? Ok, vamos imaginar que Smith tenha carregado na mão e dobrado o resultado da pesquisa. Mesmo assim, é mentira para ninguém botar defeito.

Embora o pesquisador tenha incluído no pacote todo tipo de mentira, até aquelas consideradas brancas, que não fazem mal a ninguém, tem gente mentindo demais. Segundo suas observações, apenas uma em cada mil pessoas consegue descobrir quando alguém dá sinais de que está mentindo. Pior, alguns políticos são mentirosos tão competentes que chegam a enganar 90% dos observadores mais calejados.

Como descobrir que alguém está mentindo

Mesmo com a incrível dificuldade para se perceber quando uma pessoa mente, alguns indicadores podem dar pistas para auxiliar nessa descoberta. Com o tempo, os operadores do direito, os psicólogos e psiquiatras desenvolvem competências que ultrapassam as linhas da intuição para saber se alguém está ou não dizendo a verdade.

Especialmente os psiquiatras aperfeiçoam essa capacidade de observação no dia a dia da sua atividade profissional. No livro “Análise do caráter”, Wilhelm Reich afirma que a linguagem humana atua, interfere na linguagem da face e do corpo. Por isso, diz ele, a expressão total de um organismo deve ser literalmente idêntica à impressão total que o organismo provoca em nós. 

Dessa forma, os psiquiatras não prestam atenção apenas no que seus pacientes dizem, mas, também, e principalmente, se as palavras encontram ressonância na expressão corporal deles. Conseguem assim compreender o que as pessoas dizem, e também o que não expressam oralmente.

Talvez com competência semelhante alguns juízes com prática, estudo, análise e espírito crítico também conseguem desenvolver essa habilidade de observação.

Por maior que seja a facilidade de as pessoas contarem mentiras, e por mais difícil que seja para alguém perceber que mentem, em determinado momento elas poderão se trair. Alguém bem treinado, sabendo que o outro pode estar mentindo, avalia com mais cuidado a maneira como a pessoa se comporta quando não diz a verdade.

Observará como aquele que está à sua frente aperta as mãos, respira de forma mais ou menos acelerada, desvia os olhos, engole a saliva, sua, coça o nariz ou outras partes do corpo, trunca a sequência das frases, cruza e descruza as pernas, mexe e remexe sem necessidade em papéis ou nos óculos.

Como contar mentiras sem que os outros descubram

Alguns mentirosos se aprimoram tanto nessa “arte” que chegam a acreditar nas próprias mentiras que contam. Esses são mais difíceis de serem descobertos, pois falam como se estivessem mesmo contando verdades.

Mentirosos que acabam acreditando no que dizem são aqueles com maiores chances de nunca serem apanhados em contradições. Suas histórias têm lógica aparente desde o começo até o final.

Uma estratégia que dificulta a percepção dos interlocutores sobre o fato de estarem mentindo é relatar muitas informações verdadeiras e no meio da narrativa, com a mesma cadência, o mesmo ritmo e a mesma entonação introduzir a mentira. Para quem estiver ouvindo a impressão é a de que tudo é verdadeiro.

Outra atitude que dá resultado, sugerida até por alguns advogados aos seus clientes, é treinar bastante o que vai dizer. Inventa uma boa história e passa a contá-la inúmeras vezes como se tivesse mesmo ocorrido. Dessa maneira vai adquirindo tanta desenvoltura que dificilmente deixará escapar um único detalhe.

Alguns analistas políticos têm destacado sempre esse aspecto. Dizem que alguém que estivesse mentindo não seria capaz de narrar os fatos com tantos pormenores. Talvez até estejam certos. Por outro lado, entretanto, seria possível supor também que o depoente ensaiou muito bem até falar com desembaraço sobre todos os detalhes.

Por isso, independentemente do lado em que esteja, da vontade de que uma ou outra parte seja vitoriosa, vale a pena ter sempre a cautela de avaliar muito bem o que as pessoas estão dizendo nesses depoimentos à Lava Jato. Seja como delatadas ou delatoras. Afinal, elas podem estar mentindo. Ou dizendo a verdade.

Superdicas da semana

  • Há mentirosos que acreditam na própria mentira. São difíceis de serem apanhados.
  • Alguns mentirosos contam várias verdades e, no meio, incluem a mentira.
  • As pessoas mentirosas se traem especialmente pela expressão corporal.
  • De maneira geral as pessoas contam mentiras. Nem por isso são más ou boas.
  • Há pessoas excelentes que, para não magoar os outros, contam umas mentirinhas brancas.

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas", "As Melhores Decisões não Seguem a Maioria" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva. “Oratória para líderes religiosos”, publicado pela Editora Planeta.

Para outras dicas de comunicação, entre no meu site.
Escolha um curso adequado às suas necessidades.
Siga no Instagram: @reinaldo_polito