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Reinaldo Polito

Por que mesmo pessoas inteligentes só atacam ou defendem certos políticos?

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Imagem: iStock

12/09/2017 04h00Atualizada em 06/09/2018 20h06

Há muita radicalização nas defesas de ideias. Por exemplo, o prefeito de São Paulo, João Doria: tem gente que só o espinafra e gente que só o enaltece. Peguei-o só como um exemplo, porque seu nome tem sido um dos mais comentados e, em certos momentos, mais polêmicos, mas poderíamos considerar tantas outras personalidades que, enquanto são enaltecidas por uns, também são criticadas por outros. 

São raras as pessoas como Demóstenes, o mais extraordinário orador da antiguidade, que, atuando como logógrafo, tinha a incomum habilidade de escrever, para o mesmo julgamento, com idêntica competência, para aqueles que o contrariavam, tanto as peças de defesa quanto da acusação.

Entender os motivos que levam as pessoas a agirem dessa forma pode ser extremamente importante para o bom desempenho na carreira profissional e para a compreensão das pessoas com as quais convivemos, e até de nossas próprias atitudes.

Saber as causas que nos levam a só encontrar qualidades ou só defeitos nas pessoas, nas ideias delas e nas suas realizações talvez seja um dos estudos mais relevantes do processo de comunicação de todos os tempos.

Em conversas privadas ou em apresentações diante de plateias, quem estiver preparado para compreender como as pessoas pensam e agem se colocará a uma boa dianteira de seus ouvintes e interlocutores.

Tenho um amigo inteligentíssimo, das pessoas mais cultas e bem preparadas que conheço, que ao falar de política só abre a boca para criticar Doria. E não adianta tentar mostrar alguns dos feitos relevantes do prefeito de São Paulo, nada consegue fazer com que veja outro lado da questão. Quer porque quer falar mal do Doria.

Curiosamente, também tenho outro amigo com o mesmo nível intelectual, a mesma inteligência e a mesma capacidade aguda de percepção. Esse, por outro lado, só vê qualidades no Doria. Não adianta argumentar que o prefeito comete erros, que não é essa perfeição que julga que ele seja. Esse meu amigo só quer falar dos feitos e das qualidades daquele que governa a cidade de São Paulo.

Qual a explicação para esse fenômeno? Na obra "Por que as Pessoas Acreditam em Coisas Estranhas", Michael Shermer aponta uma série de motivos que levam alguém a observar e identificar apenas aspectos positivos ou negativos das questões, especialmente as pessoas mais inteligentes, que, teoricamente, teriam capacidade de análise mais apurada.

Embora o autor esteja explicando as crenças em coisas estranhas, como acreditar no aparecimento de seres extraterrestres, por exemplo, o estudo pode ser aplicado em todas as situações. Ele denomina o fenômeno como "desvios inteligentes na defesa de crenças estranhas".

Inicia citando uma tese sustentada em 1620 pelo cientista inglês Francis Bacon: "O entendimento humano, depois que adota uma opinião (quer ela seja tolerada ou agradável), leva todas as demais coisas a apoiarem e a concordarem com ela".

Bacon argumenta ainda que a tendência é a de que a pessoa não leve em consideração dados que contrariem sua forma de pensar, ainda que sejam consistentes: "E mesmo que haja do outro lado um número e um peso maior de coisas e instâncias, ele não obstante negligencia e despreza tudo isso, ou então coloca de lado e rejeita por meio de alguma distinção".

E o cientista inglês conclui afirmando: "Faz tudo isso para que, por meio dessa grande e perniciosa predeterminação, a autoridade das suas conclusões anteriores possa ficar inviolável".

Por isso que políticos, apenas para ilustrar, apanhados com a boca na botija, sem nenhuma possibilidade de defesa, continuam mantendo legiões de seguidores. Esses adeptos sempre encontrarão explicações que apoiem sua forma de pensar, e rejeitem ou afastem os argumentos contrários.

Essa defesa de uma ideia, por mais absurda que seja às vezes, segundo Shermer, a partir de estudos realizados pelo psicólogo David Perkins (1981), ocorre porque "há uma relação positiva da inteligência com a capacidade de justificar crenças e uma relação negativa da inteligência com a capacidade de condenar as crenças dos outros como viáveis".

E sua conclusão para esse comportamento humano é que: "Embora a inteligência não afete aquilo em que você acredita, não deixa de influenciar a maneira de justificar as crenças, racionalizá-las e defendê-las, depois que elas são adquiridas por razões não inteligentes".

Por isso fique atento às argumentações que seus interlocutores usam para avaliar seus projetos, ideias e realizações. Atrás de uma explicação racional pode estar bem camuflada uma motivação preconcebida.

Esse estudo deixa claro ainda também que os meus amigos dificilmente mudarão a forma de pensar. Para um, Doria será o próximo presidente do Brasil. Enquanto que, para o outro, o prefeito deverá abandonar a carreira política o mais rápido possível.

Livros de minha autoria sobre oratória: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "As Melhores Decisões não Seguem a Maioria", “Oratória para advogados”, "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas", “Superdicas para falar bem” e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva. “Oratória para líderes religiosos”, publicado pela Editora Planeta. "Por que as Pessoas Acreditam em Coisas Estranhas”, de Michael Shermer, publicado pela Editora JSN.

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