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Reinaldo Polito

Discorda de alguém no trabalho? Veja como dizer isso sem parecer 'pessoal'

Getty Images
Imagem: Getty Images

28/11/2017 04h00

Conheci os donos de uma grande empresa no interior de São Paulo. Os negócios deles iam bem, mas surgiu a oportunidade de venderem a companhia para um poderoso grupo estrangeiro. Os sócios fizeram as contas e decidiram que, com o dinheiro que iriam auferir, as próximas gerações estariam amparadas financeiramente, sem os riscos naturais de qualquer empreendimento.

Durante quase um ano, os consultores contratados pelos futuros compradores fizeram todos os levantamentos possíveis: saúde financeira, situação fiscal, compromissos trabalhistas, mercado consumidor, estoque etc.. Chegaram à conclusão de que estava tudo perfeitamente em ordem, que era uma empresa saudável, idônea, sem nenhum risco para o desenvolvimento de suas atividades.

Marcaram a reunião para bater o martelo e concretizar as negociações. Talvez como estratégia de barganha, adiaram o encontro, alegando um motivo qualquer. Repetiram essa atitude mais duas ou três vezes. Um dia surgia um compromisso inadiável, em outro era o caso de um diretor da matriz que gostaria de estar presente, mas não conseguiu voo a tempo, e assim foram levando.

Até que, finalmente, conseguiram se encontrar. No dia de assinar o contrato, contando com a ansiedade dos sócios vendedores em botar a mão naquela dinheirama toda, revelaram a existência de algumas mudanças nos planos e disseram que o preço deveria ser bem abaixo do que haviam combinado.

Os dois sócios alegaram que o trato era outro e que os compradores estavam mudando as regras depois de o jogo iniciar.

Nada feito. Aquele seria o novo preço.

Os donos da empresa pediram licença para conversar um pouco reservadamente. Quando voltaram, disseram que não fariam mais o negócio. A empresa não estava mais à venda.

Os consultores e diretores da matriz quase se desesperaram. Disseram que já estava tudo acertado com o conselho da organização e que não havia como voltar para o país deles sem o negócio resolvido. Quando perceberam que a decisão dos vendedores era definitiva, voltaram ao preço inicial.

A negativa persistiu. Nada demoveria mais os donos da empresa daquela decisão. Perderam um ano de trabalho e deixaram de comprar a empresa que tanto desejavam.

Esses compradores não contavam com a resistência emocional que as estratégias poderiam criar nos vendedores. Alguns tratam esse fenômeno como "ponto de ruptura". É aquela fronteira na negociação que, se for ultrapassada, faz com que nenhum argumento mais seja suficiente para mudar o comportamento da parte contrária. O dinheiro e as vantagens materiais não contam mais.

Resistência emocional na vida corporativa

Na vida corporativa, essa resistência emocional está cada vez mais presente. Com as frequentes fusões, incorporações, vendas e quebras de empresas, as mudanças batem à porta quando menos se espera. Por isso, o profissional se sente cada vez mais inseguro. Sai do trabalho em um dia e, quando retorna na manhã seguinte, já está sem função.

Segundo o consultor Max Gehringer, a maioria das pessoas dispensadas pelas empresas não imaginava que esse fato pudesse ocorrer.

Lógico que há profissionais de alta empregabilidade. Sabem que, se forem demitidos, muito rapidamente estarão empregados novamente.

Essa não é, entretanto, a situação da maioria. Numa escala de prioridades Gehringer, cita as situações de empregados com maior possibilidade de demissão:

  • Começa pelos mais novos de casa, já que os custos rescisórios são menores nesses casos;
  • Em seguida, os solteiros, por causa da menor responsabilidade familiar;
  • Depois, não pela ordem, os que não farão falta no curto prazo, aqueles cujas funções possam ser terceirizadas, os que ocupam cargos que, se forem eliminados, pouca gente vai perceber (caso de alguns subchefes, subgerentes, vice-diretores etc.).

Naturalmente, nada indica que essa ordem seja cumprida rigorosamente. Em fusões, por exemplo, nas quais cada empresa tenha seu diretor financeiro, um deles será convidado a passar pelo RH para saber quais são os seus direitos. Da mesma forma, diretor jurídico, gerente de contabilidade e até o próprio RH. Por isso, lá no fundo, sabem que caminham numa corda bamba e vivem com a pulga atrás da orelha.

Diante desse cenário, insegurança profissional e pessoal, suscetibilidades a críticas e oposições podem exacerbar essa resistência emocional no relacionamento corporativo.

Tudo isso para dizer que, nas discussões internas, essa resistência emocional deve ser levada em conta. Muitos, ao serem contrariados, reagem emocionalmente, como se a discordância do colega fosse uma ofensa pessoal. O cuidado para escolher o momento e a forma de fazer objeções, especialmente nesses casos, chega a ser até mais importante que os próprios argumentos utilizados.

Cuidados simples para afastar resistências emocionais

Nessas horas, o uso abrupto das conjunções adversativas (mas, porém, contudo, todavia, entretanto, no entanto, não obstante), por exemplo, pode ser um veneno para as discussões corporativas. Quase sempre é um equívoco pensar que as informações breves que antecedem essas conjunções poderão ser suficientes para demonstrar concordância, e dar crédito para discordar.

Vamos analisar este hipotético diálogo como exemplo. Na primeira hipótese, um dos interlocutores usa como recurso para discordar a conjunção adversativa "mas". Na segunda, os argumentos se estendem sem a "intromissão" do "mas":

"Estou plenamente de acordo com a proposta do João Silva quanto à linha de conduta do nosso departamento de produção e às metas estabelecidas para o departamento de vendas, mas..."

Ora, fica bem evidente que essa pessoa só está concordando para discordar. Essa estratégia, além de não dar resultado, pode levantar ainda mais as resistências do interlocutor, pois este sabe que a intenção do parceiro ao concordar inicialmente era só um artifício para poder discordar.

Agora, a mesma situação, porém, sem o uso do "mas":

"Estou plenamente de acordo com o a proposta do João Silva quanto à linha de conduta do nosso departamento de produção e às metas estabelecidas para o departamento de vendas. Ele não chegou por acaso aos números apresentados: realizou pesquisas, acompanhou com lupa os relatórios dos vendedores, avaliou com segurança as perspectivas do comportamento do mercado e analisou os planos dos concorrentes. Enfim, fiquei impressionado com a qualidade do trabalho do João. Tenho certeza de que as nossas decisões a partir de agora terão uma base mais sólida para que possamos determinar os rumos para o próximo ano."

Veja que, com essas ponderações, o trabalho do João foi valorizado, sua competência profissional foi destacada, sua capacidade de análise foi evidenciada. Ou seja, as chances de que suas resistências emocionais tenham sido afastadas foram reforçadas.

Portanto, o interlocutor está em melhores condições para debater as ideias, sem que o outro profissional se sinta pressionado pessoalmente. Na sequência, como exemplo, para discordar, ele poderia dizer:

"Tenho aqui um estudo que talvez possa ser útil a você, João, na tomada dessa decisão." A partir desse momento, as discordâncias começam a ser apresentadas.

São cuidados simples, até elementares, que afastam resistências emocionais e permitem que apenas as ideias sejam discutidas. Sem contar que essa habilidade no trato com os profissionais da empresa poderá ser vista como bom indicador de liderança.

A comunicação, portanto, não se restringe apenas ao fato de falar, mas sim às estratégias utilizadas para que ideias e propostas sejam vitoriosas.

Superdicas da semana:

  • Antes de discordar dos seus pares, procure afastar as resistências emocionais que possam ter
  • Para afastar resistências emocionais na empresa, comece concordando com o interlocutor de maneira sincera e destaque os méritos que ele possa ter
  • Para afastar resistências emocionais, o tom de voz também conta muito
  • Ao debater com os pares na empresa, seja sempre respeitoso, independentemente das diferenças pessoais que possam existir

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "As Melhores Decisões não Seguem a Maioria", “Oratória para advogados”, "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva. “Oratória para líderes religiosos”, publicado pela Editora Planeta.

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