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Reinaldo Polito

Bater boca no trabalho, como fizeram Gilmar e Barroso, só afeta a carreira

Montagem Gilmar Mendes e Luis Roberto Barroso - Arte UOL/UOL/Folhapress - Montagem BOL
Montagem Gilmar Mendes e Luis Roberto Barroso Imagem: Arte UOL/UOL/Folhapress - Montagem BOL

27/03/2018 04h00

“A raiva é um veneno que bebemos esperando que os outros morram” (Shakespeare)

A raiva é democrática. Não importa a nossa formação intelectual ou posição hierárquica, se não tivermos equilíbrio e controle emocional, quando menos esperarmos poderemos ser surpreendidos por atitudes agressivas que jamais imaginávamos possuir. Dependendo da forma como reagirmos e da pessoa com quem nos exasperamos, essa demonstração de destempero poderá ser irreversível para a nossa imagem.

Na semana passada, quarta-feira, 21, o Brasil assistiu estarrecido a um bate-boca entre dois ministros do Supremo Tribunal Federal: Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso. Exceto pelo tratamento de “Vossa Excelência” a discussão parecia briga de boteco. Ninguém poderia imaginar que duas autoridades, da maior importância no país, pudessem dizer o que disseram.

Gilmar Mendes cutucou Barroso com vara curta ao fazer críticas às decisões do STF e do colega: “É preciso que a gente denuncie isso! Que a gente anteveja esse tipo de manobra. Porque não se pode fazer isso com o Supremo Tribunal Federal. 'Ah, agora, eu vou dar uma de esperto e vou conseguir a decisão do aborto, de preferência na turma com três ministros. E aí a gente faz um 2 a 1'."

Barroso subiu nas tamancas e partiu para o ataque: "Me deixa de fora desse seu mau sentimento, você é uma pessoa horrível, uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia. Isso não tem nada a ver com o que está sendo julgado. É um absurdo Vossa Excelência vir aqui fazer um comício cheio de ofensas, grosserias. Vossa Excelência não consegue articular um argumento, fica procurando, já ofendeu a presidente, já ofendeu o ministro Fux, agora chegou a mim. A vida para Vossa Excelência é ofender as pessoas, não tem nenhuma ideia, nenhuma, nenhuma, só ofende as pessoas".

E para arrematar, continuou: “Vossa Excelência nos envergonha. Vossa Excelência é uma desonra para o Tribunal. É muito penoso para todos nós termos que conviver com Vossa Excelência aqui. Vossa Excelência não tem nenhum patriotismo, está sempre atrás de algum interesse que não é o da justiça”.

Nesse momento a presidente do STF, Carmen Lúcia, procurou serenar os ânimos e suspendeu a sessão. Gilmar Mendes, entretanto, queria continuar a briga, fazendo novas acusações a Barroso: “Presidente, eu estou com a palavra e continuo, presidente. Continuo com a palavra, presidente, eu continuo com a palavra. Presidente, eu vou recomendar ao ministro Barroso que feche seu escritório, feche seu escritório de advocacia”.

Só faltou pedirem um ao outro que esperassem na saída, à moda dos garotos que discutiam dentro da escola, mas, para não serem penalizados, marcavam a briga para fora do estabelecimento de ensino.  Fico só imaginando o que ocorre nos bastidores do STF. Se os dois se encontrassem na mesma sala, talvez se engalfinhassem.

Por que será que pessoas tão bem preparadas chegam ao ponto de discutir de maneira tão rasteira diante de centenas de milhares de pessoas que assistiam a tudo pela televisão? Pelo semblante e tom de voz dos dois não é difícil deduzir que estavam com raiva. O psiquiatra Flávio Gikovate (1943-2016) dizia que o comportamento raivoso apresenta algumas características comuns.

Pode incluir gritos, críticas, demonstração de desdém para com o interlocutor, ignorando-o, atitudes intempestivas ou até mesmo a recusa de agir. Gikovate esclareceu ainda que a raiva não é o mesmo que violência, mas ela pode levar à violência se não for apropriadamente controlada.

Algumas pessoas usam a raiva também como artifício para exercer poder. Agem com violência ou adotam comportamento abusivo com a intenção de intimidar os outros e, assim, conseguirem o que desejam. Segundo Paulo Gaudencio (1934-2017), outro psiquiatra renomado, esse comportamento mais agressivo pode funcionar para líderes em circunstâncias excepcionais.

O estilo de liderança coercitivo reprime, intimida, inibe, limita a atuação da equipe. De maneira bem simplificada, é aquele que manda fazer e não admite contestação. Não é preciso pensar muito para concluir que esse tipo de atuação produz consequências negativas no ânimo do grupo.

Os comandados agem com medo, com receio de serem repreendidos ou afastados de suas funções. Quando o líder age dessa maneira por períodos prolongados, o risco é que até os resultados sejam afetados. Além dessa consequência no desempenho profissional, em alguns casos verificam-se ainda sérios efeitos emocionais.

Por outro lado, em situações excepcionais, de crises ou emergenciais é um estilo que pode produzir excelentes resultados. Há gestores que mesmo não possuindo esse perfil chegam a interpretar o estilo coercitivo para que objetivos de curto prazo possam ser alcançados”.

Como vimos, a raiva pode ser externada das mais diferentes formas. Algumas pessoas se fecham e permanecem emburradas, outras começam a gritar, esbravejar, xingar e insultar. O problema maior é que alguns são tomados por esse sentimento no ambiente corporativo ou no relacionamento social, e perdem o controle de suas ações.

Vociferam contra colegas de trabalho, amigos e familiares. Passado o momento de raiva, a maioria se arrepende e, não raro, alguns pedem desculpas àqueles que ofenderam. Dependendo da personalidade da pessoa que foi ofendida, ela pode aceitar o pedido de desculpas uma vez ou outra, mas se esse comportamento agressivo se repete, talvez não haja solução. Como disse Benjamin Franklin: tudo o que começa com raiva acaba em vergonha.

Sem contar que a demonstração de raiva, de comportamento destemperado pode prejudicar uma carreira profissional. A empresa pensaria algumas vezes antes de colocar em posições importantes de comando alguém que age dessa maneira. Deduziria no mínimo que não se trata de uma pessoa confiável.

Como se comportar

Se uma pessoa costuma agir de forma destemperada, agredindo, xingando, atacando aqueles com os quais convive, é preciso mudar o comportamento imediatamente. Há psicólogos que se especializaram em tratar pessoas que vivem raivosas. Seria interessante buscar ajuda com esse tipo de profissional. Afinal, a raiva é apenas a pontinha do iceberg, as causas estão lá nas profundezas.

Quando as pessoas assumem posições importantes, nos primeiros tempos, por prepotência e até por insegurança, algumas costumam se descontrolar. Não admitem serem contrariadas, e ao menor sinal de “falta de consideração” com o seu cargo partem para o ataque. São inúmeros os exemplos que poderíamos citar. Um dos mais marcantes ocorreu com o então prefeito Gilberto Kassab.

Logo no início da sua gestão ele estava em um evento de inauguração de uma AMA (Assistência Médica Ambulatorial), na zona norte da capital de São Paulo. Em determinado momento, um homem, acompanhado de um filho pequeno, começou a fazer protesto contra a Lei Cidade Limpa, que obrigava a retirada da publicidade externa.

Kassab ficou irritado, e de forma raivosa, aos gritos expulsou aquele que o contrariava: “Sai daqui. Estamos em um hospital, respeite os doentes. Vagabundo!”. Ele não pediu desculpas, mas, mesmo sem confessar, deve ter se arrependido muito, pois nunca mais vi Kassab alterado, por mais que fosse contrariado ou atacado.

Outra conduta mais imediata é aprender (e praticar) a contar até dez antes de reagir de maneira desequilibrada. A questão não é reagir, já que em certas situações não é possível, nem conveniente ficar calado diante de ataques. Só que reagir esbravejando pode ser até mais prejudicial que ficar calado. Por isso, se tiver de reagir, faça-o sem gritaria. Um pouco de reflexão antes de abrir a boca, ajuda.

Outra atitude que pode ser adotada é simplesmente se afastar daquele que começa a atacá-lo. Especialmente diante de muitas pessoas, essa talvez seja a melhor decisão. Mesmo que você tenha razão, se demonstrar um comportamento raivoso, poderá prejudicar sua imagem e até comprometer sua carreira.

Conheci uma pessoa que conseguiu resolver o problema do descontrole emocional fazendo anotações. Ele era gerente de uma grande empresa e já havia se destemperado diante dos colegas em várias situações. E sempre ficava arrependido e precisava se desculpar. Por isso, decidido a mudar o comportamento, separou um caderno para suas anotações.

Mais ou menos como fazem as empresas para avisar que estão há tantos dias sem acidentes. Todas as vezes que reprimia o ímpeto de esbravejar, anotava no caderno: estou há tantos dias sem me descontrolar. E quando acontecia de vacilar, começava a contagem novamente, do zero. Para isso é preciso muita disciplina e força de vontade. Dependo do caso, entretanto, vale o sacrifício.

Que esse episódio tão desagradável dos ministros do STF sirva de exemplo para todos nós. Temos de ficar atentos, pois, por mais bem preparados que sejamos, em algumas situações podemos ser tomados pela raiva e demonstrar de forma inconveniente o nosso destempero. Essa atitude pode ser muito prejudicial para a nossa imagem e a nossa carreira.

Superdicas da semana:

  • Se for atacado, procure responder sem gritar ou alterar o tom da voz
  • Mesmo estando com a razão, evite confrontos verbais raivosos
  • Aprenda a contar até dez antes de reagir a uma agressão verbal
  • Procure se afastar da pessoa que começa a ficar nervosa

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "As Melhores Decisões não Seguem a Maioria", “Oratória para advogados”, "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva. “Oratória para líderes religiosos”, publicado pela Editora Planeta.

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