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Reinaldo Polito

Táticas de comunicação de candidatos em debates remontam a 4 séculos a.C.

Candidatos à Presidência da República convidados pela RedeTV!/IstoÉ para o debate eleitoral do primeiro turno, na sexta-feira (17) - Nelson Almeida/AFP
Candidatos à Presidência da República convidados pela RedeTV!/IstoÉ para o debate eleitoral do primeiro turno, na sexta-feira (17) Imagem: Nelson Almeida/AFP

21/08/2018 04h00

Foi dada a largada. Os candidatos políticos já estão se engalfinhando. Nem bem começaram as campanhas, e já pudemos presenciar vários debates, tanto entre aqueles que pleiteiam a cadeira de presidente quanto entre os que desejam chegar ao governo do estado. Como será que eles estão se comportando para neutralizar os ataques dos oponentes?

Independentemente do preparo e da condição de cada candidato, seu desempenho depende essencialmente da capacidade de comunicação. Quem for mais ágil, mais articulado e mais confiante terá mais chances de se sair vencedor. Não adianta apenas ter experiência e um excelente programa de governo se não souber como comunicar suas propostas à população.

Embora as táticas possam parecer improvisadas e sem conteúdo profundo, na verdade, quase sempre, conscientemente ou não, estão respaldadas nos ensinamentos deixados por Aristóteles, na “Arte Retórica”, escrita quatro séculos a.C.. Vamos analisar sob a luz do pensador grego algumas respostas dos três candidatos que mais se destacam nas pesquisas.

Afastar a má impressão - estratégia de Marina Silva

Segundo Aristóteles, um dos recursos para refutar uma acusação “consiste em dissipar a má impressão que poderiam ter de nós. Pouco importa, aliás, que esta resulte de palavras realmente pronunciadas ou não; o processo é válido em geral”.

Foi com esse recurso que Marina Silva procurou se afastar da pergunta capciosa feita por Álvaro Dias, insinuando que ela não censurava o ex-presidente Lula. Ao ser indagada sobre o que ela achava da retirada do púlpito com o nome de Lula do debate, disse que o Brasil precisa dar uma resposta a casos de políticos envolvidos em corrupção, como os de Lula e de Aécio Neves.

Dessa forma, sem criticar ostensivamente Lula, colocou um político de outro partido no pacote, aproveitando a oportunidade para atacar indiretamente Alckmin, um de seus mais diretos concorrentes. Enfatizou a importância de se combater a corrupção e tentou, assim, projetar uma imagem positiva para o eleitorado.

Negar o fato – estratégia de Bolsonaro

Outro meio, sugerido pelo filósofo “consiste, para ir ao encontro dos fatos contestados, em dizer que tal fato não existe, ou não é nocivo, ou não o é, para o nosso adversário, ou carece da importância que este lhe atribui; ou que não é injusto, ou que o é em pequena escala; ou que não é vergonhoso ou enfim que é sem consequência; pois sobre estes pontos incidirá a contestação”.

Foi com essa estratégia que Bolsonaro se defendeu da acusação de manter a senhora Walderice como funcionária fantasma. O candidato negou que fosse culpado da acusação. Disse: “A senhora Walderice é uma funcionária minha que mora em Angra dos Reis. Ganha R$ 2.000 por mês. Quando a Folha de S. Paulo foi lá e não a achou, botou em manchete no dia seguinte que ela era fantasma. Só que, em boletim administrativo da Câmara dos Deputados de dezembro, ela estava de férias. Do final de dezembro até o final de janeiro.”

Embora a negação seja um recurso poderoso de retórica, é preciso tomar cuidado com os argumentos contrários negados, pois, se posteriormente se mostrarem verídicos, o candidato terá dificuldade para continuar se defendendo.

Alegar justa necessidade – estratégia de Alckmin

Mais uma boa tática, segundo Aristóteles, “consiste em dizer que há erro, efeito do azar ou da necessidade”.

Isso ocorre, por exemplo, quando, para se defender das acusações de ter se associado a Valdemar Costa Neto, que comandou as negociações do Centrão, Alckmin diz que não “fulaniza”, pois uma aliança se faz com partidos. Dessa forma, procura esclarecer que houve erro, que não se associou a Costa Neto, mas, sim, que agiu por necessidade da circunstância.

Essa tática foi usada em debates políticos no passado. Quando perguntaram a Quércia se era contra ou a favor do aborto, se ele dissesse que sim, perderia os votos de quem era a favor; se dissesse que não, perderia os votos de quem era contra. Um verdadeiro dilema.

Sua resposta ficou para a história da argumentação política. Afirmou que, como homem simples do interior, criado em família religiosa, temente a Deus, jamais poderia ser a favor do aborto. Por outro lado, como governante, representando a vontade da população, se as pessoas julgassem por bem que o aborto fosse instituído, ele se dobraria à vontade popular.

Praticamente ele se dividiu em duas pessoas, uma, de cidadão comum, e outra, de homem público, que precisaria agir de acordo com as aspirações daqueles que o elegeram. Hoje, com os eleitores mais exigentes e mais traquejados pelas inúmeras eleições que ocorreram daquela época para cá, o político só poderia lançar mão dessa técnica com muito cuidado.

Se observarmos bem, vamos deduzir que todos esses recursos retóricos sugeridos por Aristóteles têm aplicação prática na comunicação dos políticos, mas também em todas as outras circunstâncias, especialmente na vida corporativa. Portanto, vale a pena analisar o comportamento dos políticos e verificar quais de suas estratégias podemos aproveitar no nosso dia a dia.

Superdicas da semana:

  • Leia a "Arte Retórica", de Aristóteles
  • Sempre haverá uma forma correta e ética de combater os argumentos contrários
  • Mesmo que todas as táticas do contendor possam ser previstas, esteja preparado para os imprevistos
  • Podemos aprender com os acertos e, principalmente, com os erros de quem participa de debates

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante; "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas", "As Melhores Decisões não Seguem a Maioria" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva; e “Oratória para líderes religiosos”, publicado pela Editora Planeta.

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