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Reinaldo Polito

Gestos podem revelar se ex-assessor de Flávio Bolsonaro mentiu na TV?

Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, em entrevista ao SBT - Reprodução/SBT
Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, em entrevista ao SBT Imagem: Reprodução/SBT

28/12/2018 12h25

Fabrício José Carlos de Queiroz, ex-assessor do deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do, nada mais nada menos, presidente eleito, Jair Bolsonaro, demorou, demorou, demorou a se manifestar, e, quando falou, não disse absolutamente nada. Foi decepcionante. No dia 26, por pouco mais de 20 minutos concedeu entrevista à jornalista Débora Bergamasco, do SBT.

Não tendo a intenção de revelar as informações mais relevantes, disse que essas questões importantes seriam esclarecidas diante do Ministério Público. A jornalista fez poucas perguntas e praticamente não apresentou réplica às respostas do entrevistado. Ele teve a liberdade de falar à vontade. 

Rapidamente para relembrar o caso. Uma matéria do jornal "O Estado de S. Paulo", do dia 6 de dezembro, revelou que o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) identificou que, entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017 houve uma movimentação suspeita de R$ 1.236.838 na conta bancária do ex-assessor de Flávio Bolsonaro.

Para o bem da verdade, esse é o valor total da movimentação, mas se consideramos que se trata de depósitos e retiradas, o montante a ser considerado gira na casa dos R$ 600 mil. Também é preciso ressaltar que o fato de ele não ter respondido às perguntas mais agudas não significa necessariamente que seja culpado, ou que os Bolsonaros tenham qualquer tipo de implicação com o caso.

Feitos os esclarecimentos e as ressalvas, o que todo mundo deseja saber é como alguém que fatura pouco mais de R$ 20 mil por mês pode movimentar essa dinheirama? E mais, como alguém se enfia "na moita" por 20 dias, sendo que o presidente eleito e o seu filho ficam à disposição das mais variadas críticas e insinuações? 

Temos de levar em conta que, mesmo uma pessoa traquejada, acostumada a dar entrevistas, ficaria nervosa para falar em situação semelhante. Afinal, o país inteiro estava ansioso por essa entrevista. Dá para imaginar, então, como se sentiu alguém que vive longe dos holofotes, como é o caso de Queiroz. 

Ele estava visivelmente nervoso e inseguro. Gaguejou, truncou frases, não se lembrou de informações simples, como o nome completo do médico que o atendeu, nem o nome do hospital onde ficou internado. Com a boa vontade da entrevistadora, disse que daria essas informações mais tarde. Elas não foram dadas.

Foram três questões cruciais: 

  1. Como explicar a movimentação de mais de um R$ 1,2 milhão em um ano, se ele ganha pouco mais de R$ 20 mil por mês?
  2. Há algum envolvimento dos Bolsonaros nessa história? 
  3. Por que não compareceu a quatro depoimentos marcados pelo Ministério Público?

Havia ainda algumas questões periféricas, como os ganhos da sua filha e o fato de ela dar atendimento em atividade própria, durante o horário de expediente. Embora ele tenha dito que essas informações deveriam ser dadas por ela mesma, acabou explicando que é praticamente impossível tantos funcionários trabalharem ao mesmo tempo dentro do gabinete. Não cabe todo mundo lá. 

Sobre o envolvimento dos Bolsonaros, garantiu que não há absolutamente nada. Afirmou que os conhece há muitos anos e que são pessoas íntegras e honestas. Por isso, disse estar sofrendo muito por ter consciência de que eles ficaram desconfortáveis com a situação. E pediu desculpas por envolvê-los em algo que só cabe a ele.

Para explicar seus ganhos, disse que o dinheiro veio dos negócios que fez com a compra e venda de carros usados. "Eu sou um cara de negócios. Eu faço dinheiro. Compro, revendo, compro, revendo. Compro carro, revendo carro. Sempre fui assim. Gosto muito de comprar um carrinho, mandava arrumar, revendia. Tenho uma segurança". Cabe ao Ministério Público agora confirmar quais foram os negócios realizados. 

Para explicar o não comparecimento aos depoimentos marcados, informou que, em alguns casos, foi orientado pelo advogado, já que faltavam alguns documentos no relatório do Ministério Público. Em outras situações, foi por questões de saúde. Uma bursite e a descoberta de um câncer.

Não dá para afirmar se Queiroz falou ou não a verdade. Até que se prove o contrário, ele deverá ser considerado inocente. O Ministério público terá condições de confirmar ou não todas as informações que ele está revelando. Nada impede, entretanto que façamos uma análise de como ele se comportou na entrevista.

O corpo fala. E fala, às vezes, mais até que as palavras. Wilhelm Reich, na obra "Análise do Caráter", diz que 'a linguagem humana atua, interfere na linguagem da face e do corpo. Por isso, a expressão total de um organismo deve ser literalmente idêntica à impressão total que o organismo provoca em nós'. 

O saudoso doutor Içami Tiba, que chegou a ser considerado um dos maiores psiquiatras do mundo, disse aqui no UOL em uma entrevista que me concedeu, como analisava pela reação do corpo os clientes que o procuravam. Se a pessoa possuía algo escondido, o que ele denominava de 'sombra', podia ser observado pelo comportamento do corpo.

David Livingstone Smith, autor do livro "Os Fundamentos Biológicos e Psicológicos da Mentira", afirma em sua obra que, de acordo com suas pesquisas, em média, uma pessoa conta três mentiras a cada dez minutos. É um dado assustador. Mas o que mais impressiona é a sua afirmação de que somente uma em cada 1.000 pessoas identifica sinais de mentira nos outros. 

Diz ainda o pesquisador que, mesmo a pessoa sendo muito bem treinada para descobrir os mentirosos, consegue um percentual muito baixo de acertos. Afirma que alguns políticos são tão bons mentirosos que chegam a iludir 90% desses estudiosos treinados.

Portanto, se alguém afirmar, por aquilo que observou na entrevista, que Queiroz faltou com a verdade, provavelmente, correrá o risco de se juntar à estatística de Smith. É realmente muito difícil fazer esse tipo de constatação com a certeza de que não se está cometendo equívocos.

Em todo caso, alguns sinais podem dar pistas se uma pessoa está mentindo, omitindo, exagerando, ou mesmo censurando o que disse, ou pensou em dizer. Duas atitudes mencionadas por praticamente todos os estudiosos sobre esse tema são o fato de a pessoa colocar a mão na frente da boca e coçar o nariz.

Antes de nos julgarmos grandes especialistas na arte de analisar comportamentos, convém lembrar a famosa história protagonizada por Freud. Ele percebeu que alguns de seus discípulos intrigados o observavam fumando um charuto. Ele os chamou e disse: "às vezes, um charuto é apenas um charuto".

Tendo consciência de que coçar o nariz pode ser apenas uma coceira normal, vamos tentar descobrir, no caso do Queiroz, o que havia por trás dessa atitude. Em pouco mais de 20 minutos de entrevista ele coçou o nariz oito vezes. E quem observou bem pode verificar que não coçou o nariz apenas porque estava com coceira. Foram mesmo gestos que identificaram um certo desconforto, algo em seu pensamento.

O entrevistado coçou o nariz nas vezes em que precisou revelar informações que ainda eram desconhecidas. Portanto, o gesto poderia indicar ou que ele estava mentindo, ou omitindo, ou exagerando, ou censurando o que disse, ou pensou em dizer.

A primeira vez ocorreu logo aos 55 segundos de entrevista. Foi no momento em que disse que tinha uma cirurgia marcada. E logo em seguida se corrigiu com voz sumida afirmando: estou esperando marcar. Assim sendo, ou se censurou por ter dito que a cirurgia já estava marcada, quando ainda precisaria marcar; ou porque cometeu uma falha e precisou se corrigir.

A segunda foi aos sete minutos e seis segundos. Nesse instante, ele coçou o nariz antes mesmo de começar a falar. Assim que a jornalista perguntou por que ele não compareceu aos depoimentos marcados pelo Ministério Público e quantas vezes havia sido chamado para prestar o depoimento.

Se ele não estiver dizendo a verdade ou se estiver omitindo alguma informação, dá para imaginar quantas vezes teve de treinar esse tipo de explicação, e com que receio iria falar para não se comprometer. Essa era uma das respostas mais esperadas.

A terceira vez em que coçou o nariz foi logo em seguida, aos oito minutos e 24 segundos. Era o momento em que começava a explicar como o advogado o havia orientado para não comparecer: "O advogado, amigo meu, quanto vai me cobrar para me acompanhar? É bom eu ir lá primeiro. Ele viu que estava faltando parte do relatório e pediu para adiar a primeira".

A quarta vez em que coçou o nariz foi aos 14 minutos e 22 segundos. Ele estava no meio de uma das questões mais delicadas. Relatava o instante em que, por volta de 11 horas ou meio-dia, se submetia a um exame invasivo. Esse era um bom argumento para não ter comparecido ao depoimento. Não podia falhar.

Já ultrapassamos agora a metade das vezes em que Queiroz coçou o nariz durante a entrevista. O que será que pretendia censurar? A quinta vez ocorreu quando, aos 15 minutos e 12 segundos, contou que tem um primo que também teve um problema de saúde semelhante ao dele. O caso do primo foi tão grave que estourou tudo por dentro, mas ele não morreu. E? Nada muito a ver com a entrevista!

A sexta vez foi aos 16 minutos e 42 segundos. Cá entre nós. Se ele está querendo fugir do depoimento que deveria dar ao Ministério Público, a doença e a cirurgia seriam a melhor saída. Foi nesse instante que ele disse que precisaria operar. E que deveria ser rápido. 

Tanto assim que, quando a jornalista perguntou quando ele pretendia comparecer ao Ministério Público para dar o depoimento, se fez de desentendido e falou sobre a urgência da cirurgia, como se a pergunta tivesse sido essa. E não voltou mais ao assunto. 

Estamos chegando ao fim. A sétima vez em que coçou o nariz foi aos 21 minutos. O momento crucial da entrevista. Quando ele deveria explicar como ganhava tanto dinheiro. Contou que era um cara de negociar. Como relatei há pouco, ele dizia: "Eu sou um cara de negócios. Eu faço dinheiro". E continuou com a história de comprar e vender carro.

Finalmente, a oitava e última coçada no nariz, aos 21 minutos e sete segundos, ainda falando sobre seu grande problema: como justificar todo o dinheiro depositado em sua conta. Enfatizava que gosta muito de comprar carro em seguradora. Comprava um carrinho, mandava arrumar, vendia... 

Ainda há muita informação nebulosa em toda essa história. Muitos detalhes precisam ser aclarados e confirmados. Talvez não tenhamos de esperar muito tempo para que tudo seja desvendado. Será interessante acompanhar as investigações do Ministério Público e verificar se suas atitudes inconscientes revelaram ou não o que as palavras não disseram.

Superdicas da semana

  • O corpo fala
  • O corpo fala até mais que as palavras
  • Quem conta a verdade não precisa se preocupar com o que o corpo está dizendo
  • Observe sempre o que o corpo do interlocutor diz
  • Mesmo sendo difícil, você poderá descobrir se ele fala a verdade

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "As Melhores Decisões não Seguem a Maioria", "Oratória para advogados", "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva. "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.

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