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Reinaldo Polito

Moro fala "coupção" em vez de "corrupção". Isso é um problema?

O que Moro juiz e Moro ministro dizem sobre caixa 2?

UOL Notícias

16/04/2019 04h00

As pessoas pronunciam mal as palavras normalmente por negligência. Como são compreendidas pelos familiares e por aqueles com os quais se relacionam com mais frequência, acabam se acomodando e passam a suprimir sílabas e até palavras inteiras no momento de se comunicar. Em certas circunstâncias, o problema se torna tão grave que alguns interlocutores não conseguem entender o que está sendo comunicado.

Afinal, qual é o limite para os problemas de dicção? Até que ponto alguém pode pronunciar mal as palavras sem que essa deficiência seja prejudicial à comunicação? A partir de que momento uma pessoa deve efetivamente se preocupar com suas deficiências de pronúncia? A resposta está no limite, na fronteira --na compreensão dos ouvintes.

Se as pessoas conseguirem entender a mensagem transmitida, apesar da pronúncia defeituosa das palavras, a comunicação cumpriu seu papel. Quase sempre, entretanto, é desejável buscar o aprimoramento da dicção, pois, quanto mais clara for a pronúncia, mais facilmente os ouvintes entenderão as informações transmitidas. Desde que, todavia, esse aperfeiçoamento na forma de pronunciar as palavras não leve ao artificialismo.

É preferível que uma pessoa pronuncie mal as palavras, até suprima sílabas inteiras, com naturalidade, a pronunciar bem, mas com artificialismo. Se pronunciar mal, mas a comunicação for natural, espontânea, os ouvintes talvez continuem confiando, acreditando na mensagem. Se, por outro lado, pronunciar bem, de maneira correta, mas com algum tipo de artificialismo, demonstrando que precisa fazer esforço para pronunciar todos os sons, haverá o risco de que duvidem de suas intenções.

Uma pessoa que transita nesse limite com naturalidade é o ministro Sergio Moro. Em certos momentos sua pronúncia é tão defeituosa que é preciso recorrer ao contexto do discurso para que possamos compreendê-lo. Como ele se expressa com naturalidade e sua mensagem é compreendida até com relativa facilidade, os defeitos de dicção não chegam a prejudicar.

Só como exemplo de suas falhas. Moro diz "coupção" em vez de "corrupção"; "pcisa" em vez de "precisa"; "púbico" em vez de "público"; "pobema" em vez de "problema"; "criminaização" em vez de "criminalização"; "profissionaização" em vez de "profissionalização"; "necessaiamente" em vez de "necessariamente".
Ou seja, ele tem dificuldade para pronunciar algumas sílabas que contém o "r" ou "l". Além de não pronunciar totalmente algumas palavras com três sílabas ou mais, como é caso do famoso "conge" em vez de dizer "cônjuge".

O mais curioso é que em certas circunstâncias, quando capricha, ele pronuncia de maneira correta essas palavras, o que prova que a questão é mesmo de negligência. Há poucos dias Pedro Bial em seu programa "Conversa com Bial" brincou com o ministro porque em uma resposta ele pronunciou corretamente a palavra "cônjuge". Moro explicou que quando suprimiu a sílaba da palavra duas vezes seguidas estava muito cansado, e o defeito de pronúncia escapou.

Por que estou citando o exemplo do ministro Moro? Primeiro, porque é uma pessoa muito conhecida, que está sempre na mídia dando entrevistas, e fica mais fácil identificar o que ocorre com a sua comunicação. Depois, porque seu caso é perfeito para a nossa análise, pois apesar de pronunciar mal as palavras nunca perdeu sua credibilidade por esse motivo.

As pessoas e, principalmente, os jornalistas podem zombar por causa da maneira como ele se expressa, mas em nenhum momento, se analisarem com isenção e seriedade, poderão dizer que ele não é uma pessoa bem preparada porque pronuncia mal as palavras.
Sabem que o problema é de descuido na maneira de se comunicar.

Outra questão que precisa ser considerada é a demonstração de preparo e boa formação de quem pronuncia bem as palavras. Vamos analisar dois casos extremos. Uma pessoa sem nenhuma formação intelectual, totalmente despreparada, que pronuncia incorretamente a maioria dos sons das palavras. Por exemplo, diz "quise" em vez de "crise"; "pobema" em vez de "problema"; "simpis" em vez de "simples" etc.

E outra muito bem preparada intelectualmente que pronuncia corretamente todos os sons das palavras. Com naturalidade, sem esforço pronuncia os "r" finais dos verbos no infinitivo, como pegar (e não pegá), trazer (e não trazê), preferir (e não preferí). Não omite os "i" intermediários como pedreiro (e não pedrero), barqueiro (e não barquero), etc.

Entre os dois extremos, podemos encontrar um ponto de equilíbrio aceitável para medir como determinada pessoa foi educada. Embora a maioria, até com excelente formação, pronuncie as palavras omitindo certos sons, especialmente os "r" finais dos verbos no infinitivo, se o conjunto da sua comunicação apresentar boa pronúncia, reforçará a ideia de competência e projetará imagem positiva.

Se, entretanto, mesmo bem formada intelectualmente, o conjunto da sua comunicação mostrar excesso de pronúncias defeituosas, correrá o risco de ser avaliada como despreparada. Essa identificação é feita pelos ouvintes, porque até inconscientemente sabem que aquele que apresenta muitos defeitos de dicção teve lacunas na sua formação.

Freud dizia que "o inconsciente de um ser humano pode reagir ao inconsciente de outro sem passar necessariamente pelo consciente". E não é difícil constatarmos essa verdade, pois alguns aspectos da nossa comunicação levam ao inconsciente dos ouvintes qual foi a nossa formação e que tipo de preparo tivemos. E um desses aspectos é, sem dúvida, a forma como pronunciamos as palavras.

Aí está uma questão importante para a nossa reflexão. Como estamos pronunciando as palavras? As pessoas entendem o que estamos dizendo? O excesso de defeitos que apresentamos com a dicção talvez esteja identificando uma possível falta de formação ou de preparo? Será que não poderíamos com pequeno esforço, ou até com a ajuda recomendável de um fonoaudiólogo aprimorar a pronúncia das palavras e melhorar a imagem que projetamos ao falar?

Até pessoas como o ministro Sergio Moro, que possui reputação excepcional, a ponto de ser o ministro mais bem avaliado entre todos aqueles que formam o governo, precisam analisar bem a maneira como estão se expressando. Quase sempre, em pouco tempo, com exercícios simples poderão dar um salto de qualidade na comunicação.

Superdicas da semana:

  • A boa pronúncia das palavras facilita a compreensão dos ouvintes
  • A boa pronúncia das palavras pode ser um indicador de preparo e educação
  • Procurar o perfeccionismo na maneira de pronunciar as palavras pode levar ao artificialismo
  • É preferível pronunciar mal com naturalidade, a pronunciar bem com artificialismo

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante; "As Melhores Decisões não Seguem a Maioria", "Oratória para advogados", "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva; e "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.

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