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Reinaldo Polito

Muitos políticos ainda levam surra das câmeras dos celulares

Colunista do UOL

06/10/2020 04h00

A única coisa que importa é colocar em prática, com sinceridade e seriedade, aquilo em que se acredita.
Dalai Lama

Atenção - vai ser dada a largada. Estamos prestes a nos deparar com as campanhas políticas dos candidatos a prefeito e a vereador. Diferentemente do que ocorreu nas eleições passadas quando os candidatos falavam presencialmente diante de plateias numerosas, desta vez tudo indica que a história terá outra fisionomia.

Os contatos presenciais ficarão mais por conta do famoso corpo a corpo, e ocorrerão de forma mais acentuada nas pequenas cidades, pois nas localidades com número reduzido de habitantes os candidatos precisam gastar a sola do sapato e conversar com quase todos os eleitores.

Por causa da pandemia, dificilmente teremos aglomerações. Aqueles comícios políticos com as pessoas reunidas em praça pública praticamente não existirão. Nestas eleições deverão prevalecer as campanhas feitas pelos meios digitais, com ampla utilização das mídias sociais. E muitos políticos estão levando verdadeira surra das câmeras dos celulares.

Obama foi o pioneiro

Esse fenômeno teve início já na primeira eleição de Barack Obama, nos Estados Unidos. Foi assim na sua reeleição, e, seguindo os mesmos passos, também na campanha de Donald Trump. Aqui no Brasil, Bolsonaro seguiu a onda e, praticamente sem dinheiro, com deficiências tecnológicas, usando principalmente o aparelho celular ganhou as eleições de adversários poderosos.

O que já era uma opção de campanha para alguns políticos, agora se tornou obrigação. A maioria precisará se adaptar rapidamente para se comunicar com o uso da câmera. Deverá se apresentar como se estivesse olhando nos olhos dos eleitores, ainda que esteja vendo apenas o visor do seu aparelho. Até políticos muito experientes estão com dificuldade para se apresentar diante das câmeras com naturalidade.

Aí reside o primeiro grande problema para fazer discursos políticos usando a câmera - por falta de traquejo e especialmente de competência técnica, a maioria se comporta com artificialismo, sem nenhuma espontaneidade. Esse desempenho afetado faz com que a mensagem chegue de forma distorcida até os ouvintes.

Montoro encontrou uma saída

Quando as primeiras campanhas políticas passaram a ser transmitidas pela televisão, para contornar o despreparo do pessoal de seu partido com esse tipo de comunicação, Franco Montoro pedia que alguns correligionários se postassem atrás da câmera e em vez de o candidato olhar diretamente para o visor, olhava para os seus colegas, como se estivesse conversando com eles. Deu resultado para muitos deles.

Aí está uma estratégia para aqueles que encontram maior dificuldade - colocar algumas pessoas atrás da câmera e conversar com elas de maneira bem animada. Para isso precisariam deixar a câmera a uma distância razoável, de tal forma que os olhos não se distanciem da comunicação com os eleitores.

Dei destaque a "conversar de maneira bem animada" porque em discurso político não pode haver comportamento morno, sem vida, sem envolvimento. Quando o político falar dos problemas, precisará se expressar com indignação. Quando, entretanto, falar das soluções, precisará pronunciar as palavras com entusiasmo e otimismo.

Essa atitude pode ser adotada com mais facilidade nos comícios presenciais. Já diante das câmeras, os eleitores percebem sem muito esforço quando ocorre qualquer tipo de exagero ou falta de sinceridade. Esse é um desafio a ser vencido - falar com emoção e bastante energia, mas nunca demonstrar que está interpretando artificialmente o que diz. O político que se apresentar falando com sinceridade, será mais bem recebido por quem estiver acompanhando a sua mensagem.

Quase todos farão gravações com o apoio do teleprompter. Aí o problema passa a ser ainda mais grave. Quase ninguém sabe se comunicar com esse aparelho. E para agravar, a maioria tem contato pela primeira vez com o teleprompter quando já está no estúdio, na hora da gravação.

Uma solução bastante simples para contornar essa dificuldade é baixar um dos inúmeros aplicativos de teleprompter para o celular, e treinar exaustivamente em casa, até sentir que está dominado esse tipo de apresentação. Não pode ter preguiça, pois o sucesso ou insucesso da sua campanha talvez dependa desse treinamento.

A importância do semblante

Outro aspecto que passa a ter importância fundamental na comunicação do político diante das câmeras é o semblante. Nessa circunstância, a expressão da fisionomia é ampliada. A alegria, a contrariedade e todos os sentimentos são percebidos com bastante facilidade pelos eleitores. Se perceberem um sorriso forçado, ou um ar de contrariedade falso deixarão de acreditar na mensagem.

Como afirma Reich na sua obra "Análise do caráter": a linguagem humana atua - "interfere na linguagem da face e do corpo". Por isso, a "expressão total de um organismo" deve ser "literalmente idêntica à impressão total que o organismo provoca em nós".

Ainda sobre a comunicação do semblante, na obra "Human Communication", Tubs e Moss dizem que uma importante questão foi levantada nos estudos de Ekman: as pistas dadas pelos movimentos do corpo são diferentes daquelas dadas pela cabeça e movimentos faciais. A cabeça e o rosto sugerem qual a emoção está sendo experimentada enquanto o corpo dá pistas a respeito da intensidade dessa emoção.

É preciso falar bem

Diante das câmeras, a falta de habilidade em se comunicar também é facilmente identificada pelos ouvintes. Às vezes a mensagem até tem qualidade excelente, mas perde todo o encanto pelo despreparo técnico do orador em se apresentar. Em certos momentos gesticulam demais, enquanto que em outros deixam de fazer os gestos. Deverá haver um conjunto harmonioso entre vários aspectos da comunicação: a expressão corporal, a mensagem e o tom da voz.

Os eleitores nem sempre percebem conscientemente qual é o detalhe que o desagrada, ou faz com que duvide das intenções do candidato, mas sabem que não deverão dar o voto àquele político. Portanto, falar bem, com técnica, transmitindo uma mensagem adequada e de forma bem ordenada aos diferentes tipos de público será vital para o sucesso do político nas eleições.

Se pensarmos bem, o mesmo ocorre conosco quando nos comunicamos na vida corporativa. Com a prática cada vez mais comum de reuniões a distância, a nossa carreira passa a depender também da eficiência com que nos expressamos diante das câmeras.

Por isso, mesmo não gostando muito dos políticos e, em alguns casos, até detestando a maioria deles, vale a pena observar como estão se apresentando e aprendermos com os erros e acertos de cada um.

Superdicas da semana

  • É preciso tomar cuidado com a comunicação do semblante diante das câmeras
  • Quem interpreta sentimentos diante da câmera pode perder a credibilidade
  • A melhor mensagem pode perder seu valor se não for acompanhada de comunicação competente
  • Falar bem diante das câmeras é uma competência que exige muito treinamento

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "Superdicas para escrever uma redação nota 1.000 no ENEM", "Como falar de improviso e outras técnicas de apresentação", "Oratória para advogados", "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva. "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.

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