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Cotas nos concursos públicos

Getty Images
Imagem: Getty Images

17/04/2014 06h00

Desde que foram aprovadas cotas para negros em concursos públicos federais, reservando 20% das vagas, jornais me procuraram para realizar entrevistas ou apenas pegar uma nota de opinião. Muitos deles baseados em minha posição – já conhecida de muitos – favorável às cotas para universidades e escolas.

Pois a esses dei a resposta, provocativa: Dilma votará em Marina?

O que todos desejamos – o que desejo – é que cada brasileiro possa escolher qual candidato prefere que exerça a Presidência da República no próximo mandato e que ele seja o melhor para o país.

No caso da eleição, o melhor é o escolhido pela maioria. Se fosse um concurso público, melhor seria aquele que tirasse as melhores notas nas provas. Simples, não? Mas e se você fosse obrigado a escolher o “melhor” candidato pela cor da pele?

Uma escolha racial para exercer o cargo obrigaria que Marina fosse a presidenciável, e não a vice na chapa de outro candidato. Afinal, dos que se apresentam como candidatos ela é a única inequivocamente negra.

Se é para termos uma cota para negros nos concursos públicos, porque não termos igual solução nos cargos eletivos? Já tivemos uma série de brancos no poder, seria, portanto, a vez de sermos obrigados a votar em alguém da raça negra, não?

Nesse cenário, o que é ainda mais confuso é que aquele contingente considerável de brasileiros que quer Marina seria confundido com os que apenas votaram nela por força de lei. Faz sentido? Não, óbvio que não.

Ao desavisado pode parecer que a cota nos concursos é tão somente uma evolução em relação às cotas nas universidades. Não é. É um passo para o lado, de trás.

Existem dois erros comuns: achar que todas as ações afirmativas são ruins... ou achar que todas são boas. A cota nas universidades prepara para competir; nos concursos, faz o oposto, elimina a competição.

Sou a favor das cotas para negros e também de cotas sociais nas escolas, faculdades, nos estágios e até mesmo em programas de bolsas. Escrevi sobre isso no artigo “Porque aposto meus olhos azuis nas cotas para negros”.

Cotas para estudar, para se preparar para competir. O problema é que veio o exagero, a proposta de cotas nos concursos públicos. Com estas, não posso concordar, e digo as razões no artigo “O exagero só atrapalha”.

Sobre cotas em concursos, experiências anteriores demonstram que ainda há muito a fazer: para começar, que o Itamaraty não aceite os malandros que as burlam. Aliás, combater a esperteza em todos os lugares.

Mais: precisamos de bolsas de estudo, porque não adianta colocar o jovem para dentro da universidade e não lhe dar condições de estudar.

Também não quero que um negro aprovado em concurso carregue a pecha, por toda a carreira, de não ser bom o suficiente, mas mero aprovado pelas cotas. Não acho que devemos abrir mão do melhor fiscal, médico ou professor, apenas porque um outro – menos preparado – tinha a cor “certa” para entrar.

Defendo que o governo, caso queira, crie ações afirmativas para dar bolsas de estudo para negros, índios e pobres. Para assumir os cargos, que se saiam bem em concursos com igualdade de chances para todos.

Os concursos, portanto, não devem ter cotas, nem a racial nem a social: não é certo tirar o cargo do mais preparado para dá-lo ao mais pobre ou ao “mais escuro”. Cargo público não é forma de ajudar alguém, cargo público é para alguém (o servidor público) ajudar o cidadão. Queremos o melhor ali e, para isso, temos o concurso.

O absurdo de querer usar a boa ideia das cotas para entregar cargos, e não oportunidades de preparo e estudo, se demonstra com o exemplo com o qual inaugurei esta resposta.

Seria um absurdo obrigar escolhermos um presidente da república, ou seja, alguém para se colocar em um cargo público, por nada senão o mérito. No caso, o mérito do voto. No concurso, o mérito da nota. Imagine termos que escolher não o melhor, mas o que tem esta ou aquela cor.