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Líder na indústria da comunicação: você consegue reconhecer seu privilégio?

Laura Florence e Camila Moletta

07/03/2020 04h01

Já insinuaram que alguma coisa na sua aparência não era profissional?
Já pediram para você usar roupas insinuantes para agradar o cliente?
Você já foi ou é a única pessoa com a sua cor de pele no trabalho?
Já ficaram olhando para o seu cabelo durante a entrevista de emprego?
Já sentiu que as pessoas têm dificuldade te chamar pelo artigo correto (a/o)?
Já pediram uma foto junto com seu currículo?
Já pediram para você não falar da sua orientação sexual para clientes?
Já ligaram a maneira como você comanda a equipe a uma teórica "falta de relações sexuais"?
Alguém já quis pagar seu almoço por várias vezes?Já te confundiram com alguém da faxina do escritório?
Seu salário é menor do que outras pessoas com a mesma função?
Já sentiu que estavam te entrevistando só para cumprir uma cota?
Já te perguntaram numa entrevista se você queria ter filhos?
Já justificaram sua resposta mais dura como problemas hormonais?
Já tentaram te explicar o seu próprio trabalho?
Já te interromperam mais de 3 vezes numa reunião?
Já percebeu que te chamaram para uma foto de divulgação da empresa, só para parecer mais diversa?
Já sofreu assédio e recebeu a justificativa de que era só "uma brincadeirinha"?
Os demais colegas se incomodam com o banheiro que você usa?
Já teve que deixar o seu emprego para cuidar dos seus filhos?Já viu alguém repetir algum argumento que você tinha acabado de dar?

Se você respondeu não para todas, provavelmente é um homem, branco, cis e heterossexual.

E, agora, deve estar mais consciente de seu privilégio, pois queremos que você defina seus conceitos a partir do que você não teve que passar na vida - e não sobre o que você passou.

São esses homens, provenientes das classes mais abastadas, que, em sua maioria, estão hoje no topo das agências de publicidade.

Segundo pesquisa recente da More Grls, as mulheres, apesar de serem 46% da liderança geral das agências, são apenas 10% dos CEOs. Em áreas historicamente glamourizadas, como a criação, as mulheres são só 25%. Ou seja: ainda é mais fácil ver as mulheres organizando, cuidando e planejando do que criando.

Essa alta liderança masculina clássica ainda não entendeu que, no médio prazo, a visão unilateral vai impactar os negócios. Nada impede mais uma empresa de inovar que a manutenção de privilégios.

Tratar políticas de diversidade como uma ação social é uma perda de tempo e de dinheiro.

Diversidade deve ser meta, assim como a ampliação de escopo de negócio e a conquista de novas contas. Gente diversa pode salvar o mercado. Perdemos projetos para outros centros criativos pois ficamos sempre olhando para o mesmo lado, enquanto o mundo crescia, inovava e ampliava o conceito de criatividade.

Mas nem tudo está perdido. Os clientes podem ser os grandes aceleradores dessa mudança, pelo simples fato de terem o poder de exigir de suas agências mais diversidade. Cliente pede, agência faz. Esse é o trabalho sem prazo que gostaríamos de receber dos clientes.

Além de ser um acelerador da mudança, o cliente também precisa criar consciência de como seu papel impacta as pessoas dentro das agências.

Ou seja, apertou o prazo? Vai ter gente virando noite. Espremeu o escopo da equipe ao máximo? Com certeza, essas horas sairão do tempo que essas pessoas têm com as suas famílias. Abriu concorrência e chamou sete agências para participar? Nem precisamos continuar a descrever. Você já pode imaginar o que vai acontecer. Como é que conseguimos manter mães nessa profissão?

Por isso, além de falar de inclusão de diversidade, temos que falar de mudança de cultura organizacional: mudar os critérios de recrutamento, treinar os recrutadores contra vieses, criar políticas individualizadas, ter líderes que saibam gerir conflitos, promover a saúde mental, combater o assédio, ter novos parâmetros de reconhecimento, investir na horizontalização do poder e, principalmente, acabar de vez com o sistema meritocrático.

Ou, como diz a Etienne Du Jardin, fundadora da Somos B: "Nossa sociedade emprega a 'requisitocracia', tenta empurrar a fábula da meritocracia com capa dourada a qualquer custo. E a gente, principalmente os privilegiados, compramos (e disseminamos) muito bem a narrativa ano após ano, geração a geração."

É preciso reconhecer nosso próprio privilégio e entender que, sem isso, nada muda.

Teremos muito trabalho pela frente. Vamos juntos! Vamos juntas! #seguealuta.