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Carla Araújo

REPORTAGEM

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Fragilizado, Guedes não pretende sair e quer minimizar danos após debandada

Do UOL, em Brasília

22/10/2021 13h15

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"Foi um dia de luto". Assim definiu um auxiliar do ministro da Economia, Paulo Guedes, sobre a debandada dos responsáveis pelo Tesouro ontem.

Apesar disso, fontes próximas a Guedes garantem que não há nenhuma intenção de o ministro deixar o cargo neste momento. A ideia é "trabalhar para reduzir danos".

A avaliação feita por membros da equipe econômica é de que Guedes teve que ceder ao populismo do presidente Jair Bolsonaro, pediu a licença para gastar, mas durante as negociações teve algumas pequenas vitórias, já que a ala política do governo pressionava por um espaço para gastar ainda maior, usando a desculpa de que o furo no teto seria necessário para garantir o Auxílio Brasil.

"Queriam um cheque em branco, valores absurdos", disse uma fonte. "Iam fazer um estrago três vezes maior".

Na defesa do ministro há também os argumentos de que a equipe econômica tentou buscar alternativas, apresentou ao menos quatro possíveis soluções ao Congresso para financiar o programa: o fim do abono e unificação de outros benefícios; a desindexação do Orçamento; a tributação de dividendos na proposta de reforma tributária e os cortes de benefícios tributários.

No caso do fim do abono, por exemplo, a sugestão da pasta foi descartada imediatamente pelo presidente que ameaçou pela primeira vez demitir um secretário de Guedes, no episódio do cartão vermelho.

"A proposta que a equipe econômica apareceu pra mim não será enviada ao parlamento. Não posso tirar de pobres para dar para paupérrimos", disse Bolsonaro em agosto do ano passado. Quase um ano depois, Waldery Rodrigues, que era o secretário Especial de Fazenda que apresentou a proposta, foi exonerado do cargo.

No caso dos cortes dos benefícios fiscais, o governo enviou o projeto há pouco mais de um mês prevendo cortes de R$ 22 bilhões. O projeto entregue ao Legislativo, porém, era uma obrigação legal e não possuía uma determinação de que esses benefícios fossem de fato cortados.

No caso da desindexação, promessa que o ministro da Economia sempre repetiu como fundamental, o governo tentou tratar do tema em outras matérias enviadas ao Congresso, mas sem sucesso.

Ou seja, nada avançou e a pressão sobre Guedes cresceu com a força da ala política.

Nesta sexta-feira (22), diante de boatos de uma possível saída de Guedes, interlocutores do ministro e fontes do Planalto negaram essa possibilidade e afirmaram que o momento não é de jogar gasolina na fogueira.

Depois do avanço da PEC dos Precatórios com espaço fiscal de R$ 83 bilhões para gastar a mais em 2022, furando o teto, a avaliação é de que a pressão sobre o ministro tende a diminuir.

Aceno ao mercado

Justamente por isso, a ordem de Guedes agora é tentar levantar a cabeça e minimizar danos. O discurso para o mercado será de que apesar das concessões realizadas o impacto nas projeções das contas públicas não sofrerão muito impacto e o governo ainda tem o argumento de ter conseguido reduzir despesas.

Pelas últimas contas feitas, a promessa de Guedes de que as despesas em relação ao PIB passariam de 19,5% neste ano para 17% no ano que vem não muda muito. "Não vamos conseguir os 17,5%, mas vai ser um pouco mais de 18%", disse uma fonte da equipe econômica

Outros números ainda estão sendo revisados, mas fontes destacam que o governo não chegará em uma dívida pública de 100% do PIB. "É ruim, mas não é o fim do mundo", dizem.

Batalha com a política

Guedes, porém, continua isolado entre seus pares da Esplanada. O time de desafetos, que já contava com Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) ganhou o reforço de Onyx Lorenzoni (Trabalho) e João Roma (Cidadania), cresceu nos últimos dias.

Roma, que é o responsável pelo Auxílio Brasil, negociou diretamente com o presidente Bolsonaro e com os ministros palacianos Ciro Nogueira (Casa Civil) e Flávia Arruda (Secretaria de Governo) as mudanças e concessões na área econômica.

Justamente por isso, o fantasma de uma demissão de Guedes ainda continua no ar. Ontem à CNN, o presidente Bolsonaro disse que Guedes continua no cargo.

Agora, basta saber se o Centrão se dará por satisfeito ou trabalhará para desgastar ainda mais o Posto Ipiranga de Bolsonaro a ponto de tornar sua permanência insustentável.

Contra-ataque

Para fontes da Economia, Guedes perdeu força para a ala política, mas ainda possui algum respaldo e credibilidade junto ao mercado e precisa conter os danos das últimas medidas.

Ontem, depois de o ministro pedir a licença para gastar e com o avanço da manobra no teto, o Ibovespa, principal índice da Bolsa brasileira, tombou 2,75% e fechou a 107.735 pontos, menor patamar em quase um ano.

A intenção da equipe econômica agora é pressionar para tentar retomar minimamente uma agenda que possa demonstrar ao mercado que Guedes ainda não jogou a toalha, mas que não pode resolver as contas públicas sem a ajuda do Congresso.

A equipe econômica quer que o Congresso assuma também a sua responsabilidade do ponto de vista de austeridade e responsabilidade fiscal. "A gente vai continuar lutando, nessas oito semanas que faltam, para que o Congresso aprove reformas que possam mitigar e dar mais credibilidade estrutural na retomada econômica".

Na lista de prioridades que Guedes sonha ver os parlamentares encamparem está a reforma administrativa, a privatização dos Correios, e o projeto de lei dos supersalários. A primeira matéria está na Câmara e as duas outras paradas no Senado.

A aposta é arriscada. Foi justamente o atraso do avanço da reforma do IR no Senado que fez o governo encampar o plano B para o Auxílio Brasil, abrindo os cofres públicos para o Centrão e culminando assim com a maior crise que Guedes atravessa em quase três anos de governo.