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Petrobras pode se complicar com sua política de reajuste de combustíveis

Petrobras informou que mudou critérios sobre preço de combustível no primeiro semestre de 2020 - Getty Images
Petrobras informou que mudou critérios sobre preço de combustível no primeiro semestre de 2020 Imagem: Getty Images

12/02/2021 04h00

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Na última sexta-feira, dia 5 de fevereiro, a Petrobras confirmou que desde o primeiro semestre de 2020 decidiu estender de trimestral para anual o período limite de apuração da aplicação da política de preços de combustíveis (ver: Petrobras sobre preços de combustíveis). Sua justificativa foi fundamentada "na alta significativa da volatilidade de preços de combustíveis". Em outras palavras, a decisão tem sido de seguir o preço internacional, "pero no mucho".

Já me manifestei neste Blog sobre a importância da Petrobras manter uma política interna de precificação dos combustíveis atrelada aos preços internacionais. (Veja mais em: Com alta do petróleo, governo terá que mostrar se é mesmo liberal como diz). Naquela oportunidade tratei conjuntamente das razões privadas (na ótica do acionista) e pública (na esfera do direito difuso da defesa concorrência). Mas neste último comunicado apresentado ao mercado, a empresa apenas se preocupou em se justificar perante seus acionistas, que aparentemente ainda estão digerindo a explicação.

Fato é que a Petrobras já foi acusada no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) em 2018 por conduta anticompetitiva, exatamente por manter seus preços do mercado doméstico abaixo da paridade internacional. Na representação apresentada naquela época, a Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (ABICOM) sugeriu que a Petrobras, detentora de posição dominante no mercado de combustíveis, estava adotando prática de preços predatórios com o objetivo de eliminar a única competição existente, a dos importadores.

O caso foi encerrado em 11/06/2019, com a suspensão do Inquérito Administrativo que estava em andamento e a assinatura de Termo de Compromisso de Cessação (TCC), no qual a empresa se comprometia a vender ativos no segmento de refino no Brasil, incentivando a entrada de novos agentes no mercado, e a manter uma política de precificação dos combustíveis transparente e que permitisse isonomia competitiva para os demais players do setor. Vale lembrar que participaram como testemunhas a Agência Nacional de Petróleo (ANP), o Ministério das Minas e Energias (MME) e o Ministério da Economia.

Mais recentemente, em 7 de janeiro de 2021, a ABICOM encaminhou carta para o CADE, ANP e MME, reiterando a preocupação com a política de preços da Petrobras, alegando que a defasagem entre preços domésticos e de paridade nos portos estaria inviabilizado a operação de trading companies (importadores) neste mercado, que passaram a acumular prejuízos expressivos.

Particularmente, entendo que a discussão de 2018 caminhou para uma direção não trivial. Comprovar a conduta de preço predatório não é algo nada simples, principalmente porque na maioria das vezes ela não se mostra racional em termos de lucratividade para quem supostamente a adota. Não por outra razão, existem poucos casos de condenações no mundo por preço predatório (comparativamente a outras práticas anticompetitivas) e, em geral, estão acompanhadas de outras condutas, como a adoção de subsídios cruzados entre produtos ou regiões.

Não obstante, conforme já alertaram os professores David E.M. Sappington e J. Gregory Sidak em 2003 (ver: Competition Law for State-Owned Enterprises), as empresas públicas podem ter até mais incentivos para se envolver em atitudes anticompetitivas, posto que, diferentemente firmas das privadas, podem privilegiar outros objetivos (tais como a simples expansão de seu tamanho, atuar em outras áreas ou mesmo se submeter a decisões políticas) que não a maximização do lucro. Sendo assim, não seria descabido, inclusive, encontrar casos de preço predatório por empresas estatais, uma vez que sua estrutura de custos não necessariamente será seu guia.

Fato é que nossa lei de defesa da concorrência (Lei Nº 12.529, DE 30 DE NOVEMBRO DE 2011) é bem clara em alguns aspectos. O primeiro deles é que define no seu artigo 36 que serão consideradas "infrações, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados". Em outras palavras, a legislação prescinde de intenção de gerar o dano ou mesmo da materialização do efeito.

O segundo é que, tomando por base a lei, por qualquer parâmetro que se queira analisar, certamente a Petrobras detém posição dominante nos respectivos mercados de atuação. E devemos lembrar que o movimento de um elefante em uma loja de louça pode fazer muito mais estragos do que um ratinho.

Em terceiro, que nossa legislação antitruste incorpora uma série de dispositivos, além da prática de preço predatório - tais como limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado ou criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente - que podem ser levantados em um novo questionamento junto ao CADE.

Lendo a carta da Petrobras ao mercado, me parece que há no mínimo uma possibilidade de que a política de precificação da empresa possa ser investigada novamente pelo CADE, à luz do que se denomina na área econômica de defesa da concorrência de fechamento de mercado ou elevação dos custos dos rivais. Se de fato os preços internos praticados estão gerando o efeito apontado pela ABICOM, parece razoável pressupor de que o modelo de precificação da Petrobras continuará a inibir a entrada de novos players, não só no segmento de importação, como também no de refino, dadas as já baixas margens de lucro vigente neste último. E vale lembrar que uma condenação não pressupõe necessariamente o fechamento total de mercado. Basta que tenha potencial de gerar dano com efeito sobre uma parte substancial do mercado.

A grande questão é que hoje a concorrência efetiva no setor é baixa (inclusive porque a Petrobras apenas iniciou a venda de uma das 8 refinarias do acordo contido no TCC com o órgão antitruste) e a eventual adoção de uma política de precificação que desestimule a entrada de novas empresas no mercado só manterá o status quo em detrimento dos consumidores. Com a palavra o CADE.