IPCA
0,83 Abr.2024
Topo

Gabriela Chaves

Vidas negras importam em qualquer lugar do mundo

Manifestante posa com a bandeira da Nigéria manchada de sangue - Reprodução/WhatsApp
Manifestante posa com a bandeira da Nigéria manchada de sangue Imagem: Reprodução/WhatsApp

22/10/2020 04h00

Enquanto doutor da USP se dá ao luxo de fazer piadas com a casagrande e a chefe do grande unicórnio brasileiro afirma o pensamento racista em rede nacional, de que a inclusão de negros no mercado de trabalho representa um "nivelamento por baixo", o racismo segue seu percurso genocida.

Poucos meses depois dos protestos nos Estados Unidos, vemos a violência policial tomar o centro da insurreição popular na Nigéria: o movimento #EndSARs se soma ao grito de #BlackLivesMatter para dizer um basta à violência policial, e deveria contar com a mesma visibilidade midiática.

Há pelo menos três semanas, diversos protestos na Nigéria eclodiram contra o "Spécial anti robbery squad" (Esquadrão especial anti-roubo, SARS). SARS é uma unidade policial nigeriana conhecida por cometer abusos relacionados a tortura e corrupção. Os cidadãos querem esse esquadrão dissolvido!

Na última terça (20), milhares saíram às ruas para exigir direitos humanos básicos, e a resposta repressiva do governo foi abrir fogo contra os manifestantes em Lekki, Lagos. Os dados oficiais ainda não confirmaram o número de mortes, mas fontes locais afirmam que 78 pessoas perderam a vida nos protestos desta semana. O movimento, que começou contra a brutalidade policial, tem se convertido em uma pressão em torno do presidente.

Vidas negras importam? Se essas vidas não forem estadunidenses, parece que não. O silêncio, no Brasil, em relação ao que está acontecendo na Nigéria é vergonhoso. Estamos testemunhando levantes muito importantes da história da luta antirracista em nível global. Dar visibilidade e alcance para essas lutas é fundamental para que elas possam ganhar fôlego, assim como foi com o caso norte-americano.

A truculência policial não é um problema só da Nigéria, ou dos Estados Unidos. Os sitemas de tortura e violação de direitos promulgados pelas polícias são legados coloniais que carregamos até hoje. Precisamos de atenção e solidariedade em relação ao que está acontecendo na Nigéria, tanto quanto fomos capazes de reverberar a luta norte-americana. #BlackLivesMatter e #EndPoliceBrutalityinNigeriaNOW são lutas extremamente importantes. Precisamos estar vivos para clamar por direitos.

No fim, toda essa discussão está fortemente relacionada à questão econômica. Em primeiro lugar, porque impera na seletividade midiática uma ideia de que os assuntos relativos ao continente africano são menores, de segunda classe. Em segundo lugar porque, como nos mostra a história, os protestos na Nigéria podem se desdobrar em pressões internacionais e sanções econômicas. Sabemos os custos sociais desse tipo de política, por isso é fundamental chamar a atenção da comunidade internacional, sem recair em decisões imperialistas e neocoloniais.