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José Paulo Kupfer

Auxílio emergencial só reduziu danos; recuperação sem investimento é ilusão

01/09/2020 13h58

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O impacto da pandemia de covid-19, na economia brasileira, foi ainda maior do que se imaginava. É o que se pode concluir do comportamento da atividade econômica, de acordo com os números divulgados nesta terça-feira (1) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Nem tanto pelos resultados do segundo trimestre, mas pela revisão do ocorrido no primeiro trimestre do ano. Entre abril e junho, auge da paralisia dos negócios, o PIB (Produto Interno Bruto) recuou 9,7% sobre o período janeiro-março. Na comparação com o mesmo período de 2019, o recuo foi de 11,4%.

O tamanho do mergulho da atividade, no segundo trimestre, expressa um autêntico colapso econômico. Se fosse utilizado o costume americano de dimensionar a evolução do PIB pela taxa trimestral anualizada - considerando que a taxa do trimestre atual fosse repetida nos três seguintes -, a queda do PIB, no segundo trimestre, teria chegado a 45%.

Para captar melhor a dimensão desse colapso econômico, é preciso considerar que os resultados do primeiro trimestre foram fortemente revisados para baixo. O IBGE havia informado, em fins de maio, uma queda de 1,5%. Agora, junto com o PIB do segundo trimestre, divulgou revisão dos resultados do primeiro trimestre para recuo de 2,5%.

Assim, esse mergulho do segundo trimestre, recorde na série histórica iniciada há quase 25 anos, expressou um afundamento ainda maior da atividade. Em relação ao último trimestre de 2019, a economia, ao fim de junho, havia recuado 12,5%.

Apesar disso, a forte contração ocorrida poderia ter sido ainda maior. Confirma-se agora que a economia já vinha andando para trás desde o segundo trimestre de 2019, mas algum elemento evitou uma queda ainda mais acentuada, a partir do segundo trimestre de 2020.

Esse elemento foi o auxílio emergencial de R$ 600, instituído a partir de abril. Única novidade do período em favor da atividade econômica, o efeito do auxílio começou a produzir resultados positivos efetivamente de maio em diante. Foi, sem dúvida, a injeção de R$ 50 bilhões mensais do auxílio, a mais de 65 milhões de pessoas, que contribuiu para pôr algum na queda da taxa de consumo das famílias. O auxílio mitigou essa queda, mas não impediu que o consumo das famílias recuasse 12,5% entre abril e junho, na comparação com o primeiro trimestre, na maior queda em 25 anos.

Concebido para durar três meses, o auxílio foi prorrogado por mais dois e acaba de ser estendido pelo resto de 2020, agora com R$ 300 por mês, metade do valor anterior. Depois de irrigar a economia, impulsionando basicamente o consumo de alimentos e bens duráveis, em volume acumulado de R$ 250 bilhões, o equivalente a robustos 3,5% do PIB, o auxílio ainda vai despejar na praça outros R$ 100 bilhões até dezembro, acumulando um impulso total de R$ 350 bilhões, ou elevados 5% do PIB, no ano.

Incertezas e expectativas desfavoráveis em relação ao futuro próximo se combinaram com a queda no consumo para provocar um curto-circuito nas intenções de investimento. O resultado foi que o volume investido encolheu 15,4% do primeiro para o segundo trimestre de 2020 (queda de 15,4% sobre o mesmo trimestre do ano anterior).

A interrupção geral das inversões produtivas jogou a taxa de investimento, no segundo trimestre, para 15% do PIB, recorde histórico de baixa. Chama a atenção o fato de que, mesmo com o mergulho do PIB, a taxa de investimento não tenha reagido. O ritmo de investimento já vinha baixo e sofreu uma interrupção geral e abrupta com a pandemia.

Sem perspectivas de reação dos investimentos, o que é reforçado pela ausência de investimentos públicos, a "recuperação" exibida a partir do terceiro trimestre terá de ser considerada entre aspas. Será mais um achado estatístico, causado pela base deprimida de comparação, do que propriamente um sinal concreto de retomada. Não se pode esquecer que a economia, antes da pandemia, ainda corria abaixo do pico anterior de 2013. O quadro atual configura a existência de uma crise dentro da crise na economia brasileira.

Se o exame dos níveis de atividade, a partir de julho, não revelar como não vêm revelando, pelo menos o retorno ao ponto pré-pandemia, significará que a ociosidade continuará mantendo fatores de produção, inclusive mão de obra, desempregados. Num quadro como esse, a extensão do auxílio emergencial será fundamental para continuar movendo a atividade, mas continuará operando apenas na redução de danos, sem capacidade de, sozinha, tirar a economia do fundo do poço em que se encontra já há meia dúzia de anos.

A "recuperação rápida", anunciada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, na sequência da divulgação do mergulho do PIB, no segundo trimestre, por todas as condições conhecidas do ambiente econômico do momento, é mais uma na já longa lista das suas vendas de ilusão.