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José Paulo Kupfer

Alívio no dólar facilita decisão de manter Selic, apesar da alta nos preços

09/12/2020 19h12

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A aceleração da inflação, que passou de 1,6% no acumulado em 12 meses, em agosto, para 4,31%, em novembro, não mexeu com a taxa básica de juros (taxa Selic), mas mexeu com as perspectivas da política monetária, na reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) desta quarta-feira (9). O colegiado que reúne os diretores do Banco Central e que decide sobre o nível dos juros na economia, manteve, por unanimidade, a Selic em 2% nominais ao ano, mas alterou os termos do comunicado que resume a discussão dos pontos que sustentam as decisões.

Ao localizar uma "reversão da tendência de queda das expectativas de inflação, em relação às metas, para o horizonte relevante", os diretores do BC relativizaram a "prescrição futura ("forward guidance, no jargão do mercado e na expressão em inglês), adotada em agosto. O forward guidance é um mecanismo que permite ao BC orientar as expectativas mesmo sem alterações nas taxas de juros.

Na "prescrição futura" adotada em agosto, e mantida em outubro, a comunicação do BC procurava indicar a manutenção da taxa básica por largo período de tempo. A ideia era informar que, mesmo não cortando ainda mais os juros básicos, a economia precisaria de estímulos para uma retomada.

Com a reversão das expectativas de queda da inflação, o BC sugere que talvez não consiga manter a "prescrição futura" de manter os juros inalterados por longo período. Mas, sabendo que essa indicação pode acender expectativas de altas na inflação, enquanto a atividade econômica continua fraca, o comunicado se apressa a mencionar que essa eventual mudança "não implica mecanicamente uma elevação da taxa de juros, pois a conjuntura econômica continua a prescrever estímulo extraordinariamente elevado frente às incertezas quanto à evolução da atividade".

Com a alteração registrada no comunicado, o BC tangenciou a opinião de uma parcela do mercado que já estava considerando que a aceleração da inflação, medida pelas variações do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), referência para o sistema de metas de inflação, neste fim de ano, recomendaria elevar a taxa Selic ou, pelo menos, acenar com altas em futuro próximo. Mas, se apenas considerando as questões econômicas internas, algo nessa linha poderia ser descartado por enquanto, o ambiente internacional, sensivelmente modificado desde a confirmação da eleição de Joe Biden à sucessão de Donald Trump, na presidência dos Estados Unidos, eliminou de vez essa possibilidade.

Da última reunião do Copom, em 28 de novembro, para cá, registrou-se um evidente alívio nas tensões produzidas por Trump, tanto na cena econômica doméstica quanto no cenário global. A expectativa de uma normalização das relações dos Estados Unidos com a comunidade internacional, e os sinais de uma ação mais responsável contra a pandemia - e, portanto, mais responsável em relação às questões econômicas - distenderam os mercados de ativos, aliviaram pressões sobre o dólar, e aumentaram, como se diz no jargão no meio, o apetite dos investidores ao risco.

Com isso, recursos antes concentrados na moeda americana voltaram a se dirigir a economias emergentes, desinflando as cotações do dólar mundo afora. O mercado brasileiro, embora numa segunda fila, também foi beneficiado. Só em novembro, ingressaram US$ 30 bilhões no mercado brasileiro.

Refletindo esse fluxo de ingressos, a taxa de câmbio recuou 6,8% no mês passado e já caiu mais 5%, nos primeiros cinco dias de dezembro. Quando o Copom manteve a Selic em 2%, na reunião do fim de outubro, a cotação do dólar estava perto de R$ 5,80. Nesta quarta-feira, quando se desenrola o encontro de dezembro, o dólar estava valendo menos de R$ 5,20. Ao mesmo tempo, a Bolsa brasileira experimentou uma alta de 16%, em novembro, e mantinha ritmo positivo, com avanço pouco inferior a 4,5%, só na primeira semana deste mês.

A reviravolta nas cotações de ativos domésticos tirou um pouco a força de uma narrativa que andava contagiando as análises do mercado. As altas nas cotações do dólar estavam sendo relacionadas com a existência de um "risco fiscal", resultante da dificuldade de rolagem de uma dívida bruta em processo de ascensão, na onda dos gastos com o auxílio emergencial e outras despesas para o enfrentamento da pandemia.

Abriram-se espaços, inclusive, para suspeitas de que a situação fiscal poderia configurar um momento de "dominância fiscal". A dominância fiscal retrata uma anomalia que acomete economias com problemas fiscais agudos, caracterizada por um bloqueio dos efeitos da política monetária, via manejo das taxas de juros. Nessa situação, uma elevação da taxa de juros, com o objetivo de conter altas da inflação, pode resultar em mais inflação, visto que juros mais altos impactam, negativamente, a dívida pública e a colocação de títulos pelo Tesouro no mercado.

Embora a pressão fiscal não possa ser desprezada, e, para 2021, subsistam incertezas sobre a dinâmica dos gastos públicos, em função do repique da pandemia e suas consequências sobre as populações vulneráveis, os diretores do BC, reunidos no Copom, repetindo posição dos últimos encontros, consideraram, nesta última reunião de 2020, que o regime fiscal se mantém sustentável.

Por isso, mesmo que os fatores externos já mencionados não tivessem influenciado a decisão de deixar a taxa Selic estacionada, a manutenção dos juros básicos não estava ameaçada. O repique inflacionário atual decorre de problemas nos mercados de bens e serviços, que passa por uma etapa de retomada da demanda, concentrada em produtos básicos, fruto dos restos do auxílio emergencial, com restrições na oferta, em decorrência da desorganização da produção trazida pela pandemia.

Com a ociosidade vigente, que, no mercado de trabalho, resulta em desemprego recorde, caminhando para 15% e, se seguisse a normalidade pré-pandemia, encontrando-se perto de 25%, é mais difícil acreditar em forças inflacionárias estruturais. Tanto isso é verdade que as projeções para a inflação em 2021 ainda rondam abaixo do centro da meta, fixada para o ano que vem em 3,75%. A conferir como a alta de preços evolui. E, principalmente, como a questão fiscal se desenrola.

Não dá para cravar a permanência da taxa básica no nível baixo em se encontra por todo o ano de 2021 porque sobrevivem muitas incertezas. São incertezas sobre a dinâmica da pandemia, afetada pela atitude negacionista do governo. O que, por seu lado, interfere, muito negativamente, não só no horizonte e na amplitude dos programas de vacinação, mas também nas ações do governo que garantam a organização da economia.