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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Pauta de Bolsonaro para Congresso pode levar à terceirização do governo

04/02/2021 18h20

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As pitonisas de Brasília estão a todo vapor no esforço de antever como o Congresso Nacional se comportará em relação às pautas prioritárias do governo. Agora presididos por aliados do presidente Bolsonaro, que se empenhou na eleição deles, com verbas e promessas de cargos, Senado Federal e Câmara dos Deputados estariam agora, pelo menos em teoria, mais propensos a dar passagem aos projetos governistas.

É esse "em teoria" que está sobrecarregando as baterias das bolas de cristal acionadas para antecipar o futuro dos temas que ocuparão os primeiros lugares nas filas de discussão e aprovação nas duas casas legislativas. A Bolsa de Valores e as cotações do dólar, que costumam dar sinais sobre o clima político, não sancionaram até aqui a teoria.

A dificuldade da tarefa se prende ao fato de que os novos presidentes do Senado e da Câmara são ambos líderes do agrupamento de parlamentares conhecido como Centrão. Centrão é o agrupamento de partidos e políticos "pragmáticos", sem cor ideológica declarada, mas de viés direitista e conservador.

O que complica enquadrar o Centrão é o intervalo amplo em que se situam seus integrantes, seja nos espectros da direita política, seja no conservadorismo social e de costumes. Bolsonaro, bom lembrar, fez parte do Centrão, tendo passado por vários dos partidos que se aglutinam em torno do apelido, em sua encarnação parlamentar.

Característica reconhecida do Centrão é a de sempre atender às demandas dos governos de turno, mas desde que estas também atendam aos seus interesses. Daí que nem sempre seus interesses coincidem, pelo menos integralmente, com os do governo que apoiam. Para compatibilizar um interesse com o outro, entra em cena uma moeda de troca, sob a forma de cargos e privilégios com potencial para dispor de recursos que possam ser aplicados em redutos eleitorais.

Na abertura da nova legislatura, agora comandada por aliados, Bolsonaro despachou para o Congresso uma lista de 35 assuntos de interesse de seu governo. É um leque amplo de áreas e pautas, em que sobressaem as econômicas, com destaque para questões fiscais, e as que o próprio governo classificou como de "costumes", em que chamam a atenção regras para facilitar posse e porte de armas e resguardar forças policiais que comentam violências em ações, assim como a regulamentação do ensino doméstico (homeschooling).

Na verdade, as prioridades do governo endereçadas à apreciação do Congresso visam dar satisfação a diversos de seus públicos apoiadores. Assim é que há medidas para agradar caminhoneiros, segmentos do agronegócio, policiais militares, evangélicos e mercado financeiro. Temas mais espinhosos, como a CPMF dos sonhos do ministro Paulo Guedes, ficaram de fora.

Além de definir uma agenda legislativa que se encaixa na do próprio Centrão, Bolsonaro abriu tanto o leque da agenda que as novas lideranças do Congresso poderão, sem quase nenhum esforço, manejar uma pauta própria sem parecer que não está cumprindo a pauta do governo. Há, por isso, quem diga que Bolsonaro, ao se envolver e abençoar a escolha das chefias do Senado e da Câmara, estaria terceirizando o governo.

Não se deve, porém, confundir a votação em Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), eleitos para a presidência da Câmara e do Senado, com uma base estável de votos para qualquer tema em votação. Frentes bem amplas se formaram para eleger os dois, o que não significa que os blocos estarão sempre juntos em todas as votações.

Mais do que isso, as pautas no Congresso não atendem, exclusivamente, aos desejos e cálculos políticos da presidência das casas. Os presidentes podem quase tudo, mas não tudo. A realidade e as necessidades não costumam obedecer a planos políticos.

O início da atual legislatura é bem um exemplo: não está na listona de Bolsonaro, mas Lira e Pacheco, à revelia do presidente e de Paulo Guedes, já se entenderam que será preciso discutir um auxílio emergencial logo de saída. Ao mesmo tempo, há a necessidade de aprovar uma lei orçamentária para 2021. É uma tarefa inadiável, a ser concluída antes que a máquina pública comece a parar, por falta de recursos. O prazo se esgota em março.

A solução terá de contemplar os espaços fiscais para inserir a renovação de programas de sustentação de emprego e renda, créditos e prorrogação de tributos para sobrevivência de empresas e um novo auxílio emergencial para vulneráveis e informais. A pandemia está longe de ter acabado e uma segunda onda está em pleno desenvolvimento, estressando os sistemas de saúde e determinando a imposição de lockdowns, enquanto a vacinação não engrena.

É nesse quadro que se deve ficar de olho nas manobras que serão executadas para driblar o teto de gastos desta vez. Só a partir daí, de fato, será possível ter uma ideia mais clara e concreta do jogo que será jogado pelo Congresso sob a presidência do Centrão.