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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Reforma pesa no imposto sobre consumo e alivia renda, na contramão do mundo

20/07/2021 17h02

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Quando um sistema tributário taxa mais quem ganha menos, desestimula a produção, incentiva driblar impostos, resultando num conjunto que combina promoção de desigualdades e carga de média de impostos alta, nada é mais recomendável do que reformá-lo. Mas a reforma que está em tramitação no Congresso corre o risco de piorar o que já é ruim.

A carga tributária brasileira tem uma variedade de defeitos. Um dos mais graves é o de taxar em demasia bens e serviços, ou seja, o consumo, em detrimento da tributação de rendas e lucros. O substitutivo do deputado Celso Sabino (PSDB-PA), relator do Projeto de Lei 2337/2021, enviado pelo próprio governo, carrega um pouco mais na tributação do consumo, e alivia na renda do topo da pirâmide.

Falar, a esta altura, em "substitutivo do Congresso" é incorreto. O "substitutivo", que corta a arrecadação em R$ 30 bilhões anuais, em tempos de pandemia, quando quase todos os países estão aumentando os gastos públicos para amparar pessoas e empresas afetados, foi abraçado primeiro pelo ministro Paulo Guedes, que chegou a declarar ter sido "enganado" quando os técnicos do seu ministério estabeleceram a proposta original, e agora pelo presidente Jair Bolsonaro.

Aumento de carga tributária é inaceitável para Bolsonaro, segundo declarações do próprio presidente, nesta terça-feira (20). Mas era o que, segundo especialistas, resultaria da aplicação do projeto original, que contou com a participação de técnicos da Receita Federal. Opinião quase unânime entre especialistas, o projeto original ia na direção correta, ainda que tivesse problemas de calibragem, ao passo que o "substitutivo" traz riscos de se transformar num frankenstein tributário.

Para cortar a arrecadação e, em princípio, reduzir a carga tributária, além de manter a isenção dos dividendos entre pessoas jurídicas - caso, por exemplo, de holdings familiares -, e não criar novas alíquotas para rendas mais altas, Sabino desonerou, fortemente, o imposto de renda sobre empresas. Da alíquota padrão de 15%, o projeto original retirava 5 pontos em dois anos, mas o substitutivo prevê abater 12,5 pontos de uma tacada, reduzindo-a a 2,5%.

A perda líquida de arrecadação cairá em maior percentual - até 60% do corte, de acordo com avaliações técnicas - sobre estados e municípios. Ao mesmo tempo, para evitar perda de receita ainda maior, o novo projeto de reforma do IR previu a retirada de subsídios e isenções de setores selecionados, do que resultará aumento de tributação sobre consumo.

Ao proteger rendas mais altas e aceitando perdas de receitas para aliviar em excesso as empresas, o governo e o relator na Câmara, seu parceiro, acenam também com o crescimento natural da economia, algo impossível de garantir, para argumentar em favor da neutralidade da reforma. Invocam ainda a perspectiva de que, com as desonerações, as empresas se sentirão incentivadas a investir, do que resultará aumento da arrecadação.

Mas não há evidências de que isso seja verdade. Se há evidências são exatamente no sentido contrário. A partir de certo ponto, segundo uma variedade de estudos e pesquisas, a redução de impostos sobre empresas não incentiva investimentos, e, até certo nível, a taxação não inibe a ampliação dos negócios, desde que exista, na economia, ambiente propício ao crescimento.

Representando 31,64% do PIB (Produto Interno Bruto), em 2020, a carga tributária brasileira agregada é realmente alta, na comparação com as de outras economias emergentes comparáveis com a brasileira, que, em média, se situam em torno de 25% do PIB. Mas, numa distorção da função de um sistema tributário, no Brasil, a carga é, proporcionalmente, tanto mais baixa quanto mais alta é a renda do contribuinte.

Isso se deve ao fato de que, no Brasil, impostos sobre bens e serviços são os que mais pesam na composição da carga, enquanto os tributos sobre renda, lucros e ganhos de capital pesam pouco. Na comparação com um grupo de 34 países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o Brasil é o quarto no ranking dos que mais tributam bens e serviços e o vigésimo nono, na tributação de rendas e lucros.

Dados organizados pela Receita Federal, referentes a 2017, os últimos disponíveis para o conjunto de países avaliados, mostram que, enquanto no cômputo da carga agregada o Brasil ocupava, naquele ano, a vigésima quinta posição entre 34 países, com carga de 32,3% do PIB, próxima à média da OCDE, de 34,2% do PIB, no que se refere apenas à taxação do consumo, a posição brasileira era a quarta, com carga de 14,3% do PIB. Estava acima da média da OCDE, de 11,1%, e só perdia para Hungria (16% do PIB), Grécia (15,4%), Dinamarca (14,6%) e Finlândia (14,2%).

Já no caso de rendas e lucros, a situação se inverte. Do grupo de 34 países avaliados, o Brasil disputa a liderança entre os que taxam menos. Com carga de 7% do PIB sobre rendas e lucros, o Brasil se alinha com Hungria, Polônia, Eslovênia e Eslováquia, que cobram 6,9% do PIB dos detentores de rendas e lucros. Na média da OCDE, a tributação de rendas e lucros é de 11,4%, e a Dinamarca é um ponto fora da curva, com carga de 29,1% do PIB apenas com a tributação de rendas e lucros.

É dessa combinação de carga tributária pesada sobre consumo, e mais leve sobre rendas e lucros que resulta a extrema regressividade do sistema tributário brasileiro. Tem lógica, embora não se justifique, carregar na tributação do consumo quando a renda agregada é baixa. Mas essa é uma lógica que colabora para acentuar desigualdades e dificultar a expansão econômica.

Era de se esperar que a reforma tributária tratasse de, pelo menos, amenizar essa distorção, contribuindo para destravar alguns dos freios que impedem expansão mais sustentável da economia. Mas o projeto em tramitação no Congresso passa muito longe desse objetivo.