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José Paulo Kupfer

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Supermercado, emprego, produção: por que conta de luz mais cara é problema

26/08/2021 14h59

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Talvez o ministro da Economia, Paulo Guedes, seja a única pessoa que não saiba responder à pergunta que ele mesmo formulou, em mais uma das suas inacreditáveis tiradas, em que se misturam bravatas e falta de noção. "Qual o problema de a energia ficar um pouco mais cara porque choveu menos?", perguntou o ministro em evento virtual de lançamento da Frente Parlamentar do Empreendedorismo, nesta quarta-feira (25).

O problema, não há quem não saiba, é imenso e grave. Até Guedes parece saber porque, no dia seguinte ao espantoso comentário, recorreu à desculpa genérica de que sua declaração fora tirada de contexto. Na tentativa de correção, culpou a falta de chuvas e uma "exacerbação" por culpa da antecipação das eleições —puxada, vale lembrar, por seu chefe, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Energia mais cara não só pesa diretamente no bolso das pessoas como se dissemina por todas as camadas da economia e da sociedade, reduzindo, ainda mais, o bem-estar geral, que já anda deprimido. É quase intuitivo observar que altas fortes nas tarifas de energia afetam, negativamente, as cadeias de produção, desaguando em pressões inflacionárias no varejo.

O aumento de custos, que bate na fábrica ou na fazenda e se dissemina pela logística —armazenagem e distribuição—, pode esbarrar no consumidor final já pressionado pelo avanço inflacionário no orçamento. O problema de a energia ficar um pouco mais cara vai aparecer nos supermercados, onde o preço dos produtos industrializados, por exemplo, já subiu, no acumulado de 12 meses, 10%.

Não é só na ponta do consumo e no bolso do consumidor que o problema vai aparecer e complicar a vida de todos. Se for possível repassar esse aumento de custo, o resultado pode ser mais inflação. Caso não seja possível repassá-lo, no todo ou pelo menos em parte, haverá retração na margem de lucro. Menos lucro, no limite, pode acarretar cortes na produção e no emprego.

O cenário restritivo acionado por "energia um pouco mais cara" também vai influenciar, negativamente, as decisões de investimentos. Não faz sentido ampliar ou modernizar a produção, em ambiente de lucros e consumo pressionados.

Com energia mais cara, em resumo, investimentos, produção, emprego e consumo tendem à retração. A tendência de contração da atividade em geral seria ainda reforçada pela necessidade de o Banco Central elevar as taxas básicas de juros, na tentativa de conter a alta dos preços e da inflação.

O preço da energia é o segundo maior, em termos individuais, entre os mais de 400 itens de consumo que formam o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), calculado pelo IBGE, que serve de baliza para o sistema de metas de inflação. Com peso de 5,25% no total do índice, as tarifas de energia só perdem para a gasolina, cujo peso no conjunto do IPCA é de 6,25%.

Uma ideia do problema com a energia mais cara pode ser observada em exercício feito pelo economista Fabio Romão, da consultoria LCA, um dos mais experientes e aparelhados profissionais especializados em acompanhamento de preços no Brasil. Romão projetava variação de 7,2% no IPCA de 2021 antes de a tarifa da bandeira vermelha 2, determinada pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), ser elevada de R$ 6,24 a cada 100 kWh (quilowatt-hora) consumidos para os atuais R$ 9,49 kWh. Com o novo preço, a projeção do IPCA em 2021 subiu para 7,54%.

Está prevista para esta sexta-feira (27), a definição pela Aneel de novos valores para a bandeira vermelha 2, diante do agravamento da crise hídrica e da necessidade de acionar usinas térmicas a gás, diesel e até mesmo a carvão, para evitar cortes de energia e apagões. Especula-se que o valor a cada 100 kWh consumidos possa subir para um intervalo entre R$ 15 e R$ 25.

Caso essa alta se confirme, o impacto no IPCA pode chegar a um ponto percentual. A inflação do ano ficaria mais próxima de 8,5%, com um estouro de 3,25% em relação aos 5,25% do teto do intervalo de tolerância do sistema de metas de inflação, fixado para este ano, cujo centro foi definido com uma alta de 3,75%. É, sem dúvida, um problema de grandes proporções para a economia e os cidadãos quando a inflação do ano avança em ritmo mais de duas vezes acima do centro da meta determinado.