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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro também mente e exagera na ONU para vender o país a investidores

21/09/2021 15h11

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Qualquer confronto do discurso do presidente Jair Bolsonaro com a realidade, na abertura da 76ª Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), nesta terça-feira (21), resultará num 7 a 1 contra a realidade. Mentiras e exageros dominaram o texto lido por pouco mais de 10 minutos.

Em tom defensivo e negacionista, Bolsonaro dedicou uma parte de sua fala à tentativa de vender o país como uma economia atrativa para investimentos. O presidente seguiu, nesse ponto específico, a linha adotada por todos os presidentes brasileiros que, desde a redemocratização, discursaram na ONU. Mas, igualmente nesta parte, a realidade foi derrotada pelas fabulações presidenciais.

Bolsonaro informou, por exemplo, que "o Brasil possui o maior programa de parceria de investimentos com a iniciativa privada de sua história", com contratações que somam US$ 100 bilhões de novos investimentos e a arrecadação de US$ 23 bilhões em outorgas. Não delimitou, porém, o período em que esses investimentos foram ou estão sendo realizados, nem detalhou, minimamente que fosse, que parcerias são essas.

O montante de investimentos informado por Bolsonaro, para dar uma ideia do volume de recursos declarados, coincide com metade da taxa de investimento da economia, cuja média se encontra pouco acima de 15% do PIB, nos últimos anos. É uma taxa baixa, longe da que seria necessária para impulsionar um crescimento econômico mais acelerado em relação ao nível atual, sem pressões inflacionárias.

Para esse objetivo, de acordo com especialistas, a taxa de investimento deveria subir no mínimo para 20% do PIB. Nas condições atuais, segundo consenso nas projeções, tal taxa de investimento só seria alcançada no fim da presente década.

Vale lembrar, além disso, que programas ambiciosos de investimento em infraestrutura não são novidade. No mandato e meio de Dilma Rousseff, por exemplo, dois imensos programas de investimentos em infraestrutura, em parceria com o setor privado, foram anunciados. Em boa medida, nem chegaram a sair do papel.

Sob o nome de PIL (Programa de Investimento em Logística), entre 2011 e 2015, foram desenhados dois programas, igualmente com previsão de desembolsos equivalentes a US$ 100 bilhões, ao dólar da época. Os programas também incluíam investimentos públicos, parcerias e concessões em rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. Os resultados se resumiram a uma parte pequena do previsto.

No esforço de vender o Brasil a investidores, Bolsonaro resumiu numa frase atrativos que o país oferece. Novamente exagerou ou mentiu. "Temos tudo o que o investidor procura: grande mercado consumidor, excelentes ativos, tradição de respeito a contratos e confiança no nosso governo", listou o presidente.

Deixando de lado as restrições sócio-econômicas que limitam o potencialmente forte mercado consumidor brasileiro, assim como a discussão sobre a qualidade dos ativos brasileiros, muitos com governança duvidosa e tecnologicamente defasados, a tradição de respeito a contratos e, principalmente, a confiança no governo, são pontos para lá de questionáveis.

Histórias de calotes e decisões judiciais surpreendentes, alimentando um ambiente de insegurança jurídica, são elementos que atuam para minar a crença no respeito aos contratos. Dúvidas nesse sentido têm sido reforçadas pelo próprio Bolsonaro, que frequentemente ameaça implodir pontes institucionais e descumprir a própria Constituição. Quanto à confiança no governo, as pesquisas de opinião vêm, numa trajetória ascendente, apontando desaprovação à atuação de Bolsonaro e sua equipe.

Tudo considerado, a prova da realidade desmente a economia atrativa para investimentos pintada pelo presidente na ONU. Está aí a recente onda de fechamento de empresas multinacionais ou de linhas de montagem no país, algumas com presença de décadas no mercado brasileiro, para desmentir Bolsonaro.

A lista inclui montadoras - Ford, Mercedes-Benz, Audi -, farmacêuticas - Roche, Eli Lilly -, eletroeletrônicas - Sony -, e comércio - Walmart, Forever 21 -, apenas para citar grandes operações fechadas no país. Parte das empresas, é verdade, se retiraram em razão de reorganizações globais de seus negócios, mas é sintomático que o Brasil tenha ficado de fora dos rearranjos produtivos das companhias.

Investimentos diretos estrangeiros no Brasil afundaram em 2020, somando apenas US$ 25 bilhões, de acordo com dados da Unctad (Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento). A redução representou uma queda de 62% em relação ao ingresso de US$ 65 bilhões, em 2019, percentual bem acima da contração do investimento direto no mundo, que recuou 35%.

Com o resultado, o Brasil caiu da nona posição entre os receptores de investimentos estrangeiros para o décimo primeiro lugar. O Brasil foi também o mais atingido entre as economias da América Latina e Caribe, onde os investimentos estrangeiros diretos encolheram 45%, em 2020.

As projeções do Banco Central para 2021 apontam recuperação do ingresso de recursos externos diretos ao nível de 2019, chegando a US 60 bilhões. Até julho, o montante acumulado somou US$ 30 bilhões, mas com concentração, intensificada no governo Bolsonaro, nos setores ligados a exportações de commodities - agronegócio, petróleo, mineração -, em detrimento da indústria.