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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Guedes tem apego ao cargo porque nunca teve prestígio público em 40 anos

Meme critica Paulo Guedes, o ministro posto Ipiranga, no Twitter  - Reprodução/Twitter
Meme critica Paulo Guedes, o ministro posto Ipiranga, no Twitter Imagem: Reprodução/Twitter

22/10/2021 16h31

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Uma imagem viralizou nas rede sociais depois da debandada de auxiliares de primeiro escalão do ministro da Economia, Paulo Guedes, ao longo desta quinta-feira (21). Mostrava a cobertura tombada de um posto de combustíveis com a marca Ipiranga. É uma alusão óbvia ao momento de instabilidade vivido no governo por Guedes, o "Posto Ipiranga" do presidente Jair Bolsonaro.

Com o pedido de demissão de assessores diretos e as cotações derretendo no mercado financeiro, a indicação é de que, como âncora garantidora no governo de uma política econômica liberal, a credibilidade de Guedes desabou, a exemplo da cobertura da foto que viralizou. A pergunta que se faz agora é sobre o destino do ministro.

Há quem não esteja entendendo por que Guedes também não pediu as contas, depois de não resistir a pressões políticas dentro do governo, e, na prática, aceitar implodir o teto de gastos, tido como a última linha de proteção das contas públicas contra populismos eleitorais de Bolsonaro. Segundo o deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara, o ministro continua "firme e forte como sempre na condução da economia".

Na verdade, Guedes é quase o único sobrevivente da própria equipe que levou para o ministério e cujo primeiro escalão já sofreu 20 baixas. O último remanescente dos secretários especiais da equipe original do superministério da Economia, Carlos da Costa, responsável pela área de competitividade, emprego e produtividade, só não saiu ainda porque Guedes não está conseguindo cumprir a promessa de colocá-lo em algum organismo internacional, nos Estados Unidos.

A bem informada jornalista Mônica Bergamo, colunista da "Folha", relatou, nesta sexta-feira (22), ter ouvido de um ministro palaciano que Guedes só sairia do ministério "à força". A própria história de Guedes ajuda a explicar seu apego ao cargo, mesmo depois de tratorado em questões que até aqui eram consideradas pontos inegociáveis para ele.

Paulo Guedes participa do debate econômico no Brasil há pelo menos 40 anos. Era voz ativa, inclusive com colunas em grandes jornais, sempre em defesa de um liberalismo radical, desde que voltou de uma passagem rápida como professor na Universidade do Chile, nos anos 80 do século passado. Na época, o país andino vivia sob uma pesada ditadura militar, e seus orientadores do doutorado, na Universidade de Chicago, liderados pelo célebre economista ultraliberal Milton Friedman, assessoravam o ditador general Augusto Pinochet.

Com ideias focadas no ataque aos gastos públicos, Guedes foi crítico aceso do Plano Cruzado, do Plano Collor e até do Plano Real. Porém, mesmo dispondo de algum espaço público para expor essas ideias, sempre foi uma espécie de "outsider" nos círculos intelectuais e acadêmicos. Fez carreira de sucesso no mercado financeiro, mas jamais obteve reconhecimento de seus pares nas escolas de economia ou foi aceito em seus corpos docentes.

Com uma pregação anti-Estado insistente e estridente, Guedes ganhou um apelido pejorativo que o persegue até hoje. Versões variam para marcar quem o apelidou de Beato Salu, em alusão a um personagem da novela Roque Santeiro, um místico de ares enlouquecido que vagava pelas ruas anunciando o fim do mundo.

O apelido tenta colar em Guedes a pecha de um pregador delirante. A maldade é atribuída ora ao economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, da equipe do Plano Real e do primeiro governo FHC, ora ao também economista Luiz Gonzaga Belluzzo, do Plano Cruzado e do governo Sarney.

Menções a Guedes, da parte de economistas de prestígio, não são elogiosas. Persio Arida, ex-presidente do Banco Central e um dos idealizadores do Plano Real, por exemplo, classifica Guedes como "um mitômano, que nunca produziu um artigo de relevo, nunca dedicou um minuto à vida pública" antes de se juntar com Bolsonaro. Em entrevista ao UOL, no mês de setembro, Affonso Celso Pastore, também ex-BC e celebrado professor, hoje consultor requisitado, qualificou Guedes como um "cheerleader" do governo Bolsonaro, um animador de torcida, que se especializou em palestras e conduz uma política econômica inexistente.

Com Bolsonaro, aos 72 anos, Guedes agarrou a oportunidade de influir na política econômica e aplicar a doutrina pela qual se bateu por mais de quatro décadas. A longa e belicosa convivência com seus pares permite levantar a hipótese de que Guedes se move e se apega ao cargo movido por um ressentimento em relação a outros economistas brasileiros de prestígio e com participação em governos.

Este sentimento comporia com uma personalidade em que não se escondem traços messiânicos justificativa para a resiliência de Guedes. Apesar dos sapos que o ministro tem engolido, uma espécie de "missão" doutrinária parece atuar para mantê-lo no leme do ministério até fim ou até ser dispensado. Mesmo que suas posições e ideias, processadas pela máquina de moer carne da política, se distanciem da radicalidade original, Guedes não dá sinais de jogar a toalha.