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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Presidente do BC é o Aras da economia: dá recado duro, mas alivia na Selic

Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central - Marcos Corrêa/PR
Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central Imagem: Marcos Corrêa/PR

27/10/2021 19h19

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Nesta quarta-feira (27), dia da penúltima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) em 2021, o Ibovespa, principalmente índice da Bolsa Brasileira, fechou quase estável, e o dólar caiu pouco, 0,33%. Sinal de que as expectativas do mercado eram de alta "moderada" de 1,5 ponto percentual na taxa básica de juros (taxa Selic), levando-a a 7,75% nominais ao ano. Foi o que acabou se confirmando.

Essa alta forte fica mais bem classificada como "moderada", assim entre aspas, diante das apostas mais agressivas que circularam nos últimos dias. Elevações de 2 pontos e até 3 pontos estavam no radar dos analistas de bancos e consultorias financeiras.

A última vez que os juros básicos subiram acima de 1 ponto percentual foi no último trimestre de 2002. Na época, foram duas altas sucessivas de 3 pontos, em novembro e dezembro, levando a taxa Selic de 21% ao ano para 25%. Metade, proporcionalmente, ao decidido agora em outubro de 2021.

No comunicado divulgado no encerramento da reunião de outubro, o Copom informa que deverá definir nova alta de 1,5 ponto na reunião de dezembro. Caso a previsão se confirme, a taxa Selic fechará 2021 em 9,25%. O atual ciclo de altas da Selic se encerraria no segundo semestre de 2022, com a taxa básica entre 11% e 12% ao ano.

A subida de "apenas" 1,5 ponto reflete o dilema enfrentado pelo Banco Central, diante da escalada de desarranjos na economia, com a inflação em alta persistente, que culminaram com as manobras para furar a regra de controle do teto de gastos e encaixar o programa social de transferência de renda Auxílio Brasil, com benefício médio de R$ 400 mensais. Esse aumento da percepção de "risco fiscal" no mercado, contribui para altas nas cotações do dólar e, na sequência, para ampliar as pressões inflacionárias.

De um lado, se o Copom subir os juros na intensidade pedida pelo mercado como forma de controlar a inflação, corre o risco de contribuir para travar ainda mais a atividade econômica nos meses à frente - quer dizer, no ano eleitoral. Se, de outro lado, optasse por elevações mais brandas, para evitar essa freada da economia, ficaria, na visão do mercado, "atrás da curva" dos juros considerados necessários ao controle da inflação. A decisão ficou no meio do caminho.

Mesmo com os índices de inflação em alta, o BC manteve, até recentemente, uma comunicação com o mercado, no jargão do próprio mercado, "dovish" (palavra derivada de "pombo", em inglês, mais contida em relação a altas de juros). Ou seja, considerava suficientes duas altas sucessivas de 1 ponto na taxa Selic, em outubro e dezembro, levando-a a 8,25% no fim deste ano.

Embora mencionasse, a partir do início do segundo semestre, a intenção de "fazer o que fosse necessário para controlar a alta de preços", a insistência do BC nessa posição mais branda em relação às elevações dos juros básicos dava margem a suspeitas de que o Copom se preocupava em evitar contribuir para travar ainda mais a atividade econômica. Analistas consideram que essa atitude expressaria preocupação com contrações mais acentuadas da atividade em ano eleitoral.

Essa impressão tem sido reforçada pela proximidade do presidente do BC, Roberto Campos Neto, de ministros do governo Bolsonaro. Tais contatos se tornaram mais frequentes desde que, no começo de 2021, com a aprovação da independência formal do BC, Campos Neto obteve mandado fixo até 2024, com possibilidade de renová-lo até 2028.

A saída que o BC parece vislumbrar para escapar do impasse entre subir juros o necessário para trazer a inflação para o intervalo do sistema de metas e contribuir para derrubar o que resta da atividade econômica em 2022, aplicando uma política monetária decisivamente contracionista, é falar mais grosso nos comunicados e aliviar o que der na fixação do nível dos juros básicos. Algo assim na linha de atuação do procurador-geral da República, Augusto Aras, que se utiliza de subterfúgios jurídicos para, na prática, blindar Bolsonaro das acusações ao presidente encaminhadas à Justiça.

Foi o que já se viu na reunião de outubro do Copom, nesta quarta-feira. A alta "moderada" dos juros básicos foi acompanhada de um comunicado em termos mais duros. "Neste momento, o cenário básico e o balanço de riscos do Copom indicam ser apropriado que o ciclo de aperto monetário avance ainda mais no território contracionista", registra o comunicado. Avançar mais no terreno contracionista, significa fixar taxas de juros mais altas, que retirem mais dinheiro de circulação, e, assim, freando a atividade econômica.

Em resumo, de um certo ponto de vista, Campos Neto parece estar se transformando no Augusto Aras da política econômica.