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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

2021, o ano em que a economia cresceu, mas a atividade andou de lado

28/12/2021 04h00

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O ano de 2021, na economia, foi bastante singular. Não poderia ser muito diferente no segundo ano da pandemia de covid-19, mas os números, desta vez, não refletiram o que se passou com a atividade econômica. Duas foram as marcas do ano que chega ao fim: primeiro, a perda de tração depois de um primeiro trimestre de forte recuperação; depois, uma escalada da inflação como não se via há tempos. Expressando a combinação dos pontos econômicos mais marcantes do ano, o país viveu um período de estagflação, no segundo semestre.

Em resumo, a economia cresceu em torno de 4,5%, uma variação de magnitude alta e incomum em muitos anos, mas a atividade econômica, depois de um primeiro trimestre acelerado, andou de lado no resto de 2021. Essa alta reflete uma típica etapa de recuperação cíclica, em reação a um mergulho acentuado no período anterior. Mas o repique, impulsionado pela recuperação nos últimos meses do ano, muito em função da grande volume de recursos destinados ao enfrentamento da covid-19, não resistiu mais de um trimestre. O PIB (Produto Interno Bruto) recuou no segundo e no terceiro trimestres, e não reagiu nos último três meses de 2022.

Quanto à inflação, a variação do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), aquele que baliza o sistema de metas de inflação, saiu de uma base de 4,5%, no acumulado em 12 meses, em dezembro de 2020, para 10% em dezembro de 2021. Exceto em 2015, quando a inflação bateu em 10,6%, a última vez que o índice alcançou dois dígitos foi em 2002, quando fechou em 12,5%.

A disparada da inflação causou outra situação pouco peculiar, nos anos mais recentes, com o Banco Central, em 2021, acelerando o passo na correção para cima da taxa básica de juros (taxa Selic). O Copom (Comitê de Política Monetária) elevou a taxa básica de 2% nominais ao ano, em janeiro, para 9,25%, na reunião de dezembro, uma puxada forte.

Boa parte desse quadro tem origem na segunda onda da pandemia, que ganhou corpo a partir do segundo trimestre do ano passado. Atrasos na vacinação e na definição de um novo auxílio emergencial contribuíram para agravar as dificuldades da atividade. Houve ainda uma crise hídrica, causada por um período longo de seca, que reduziu a produção de energia hidrelétrica e obrigou o acionamento de usinas térmicas, acarretando pressão adicional sobre as tarifas de energia e, em consequência, sobre a inflação.

A história da inflação fora da curva de 2021 começa com a elevação das cotações do dólar. Ao longo do ano, a taxa de câmbio manteve-se, exceto em poucos momentos, acima de R$ 5, aproximando-se, no fim do ano, de R$ 6. O efeito do real mais desvalorizado foi particularmente adverso no preço dos alimentos, que sofreram forte elevando, com impactos negativos no poder aquisitivo da população.

Ataques aos controles fiscais, pelo governo Bolsonaro e por parlamentares no Congresso, têm culpa no cartório da inflação pressionada em 2021. Com base na PEC (Proposta de Emenda à Constituição) dos Precatórios, foram cometidos calotes e pedaladas fiscais. O objetivo: abrir espaço para despesas públicas no ano eleitoral de 2022, driblando a regra de controle do teto de gastos. O resultado: aumento do risco de descontrole fiscal, percebido por agentes no mercado.

Vieram daí, segundo um conjunto de analistas, parte das pressões sobre a taxa de câmbio e, na sequência, sobre os índices de preços. Mas choques de oferta também ajudaram a empurrar preços para cima. A pandemia desorganizou o fornecimento de suprimentos para a indústria, provocando cortes na oferta de produtos. Mas, além disso, foram ainda mais marcantes as altas nos preços dos combustíveis e nas tarifas de energia.

Já no que se refere à atividade, a natural retração resultante das medidas de distanciamento social foi aprofundada pela ação - ou melhor, falta de ação - do governo. Não se pode esquecer, nesse capítulo, a avaliação do ministério da Economia, em fins de 2020, segundo a qual as possibilidades de uma segunda onda de covid-19 eram "muito baixas".

Não se sabe se, com base nessa avaliação equivocada ou na atitude permanentemente negacionista do presidente Bolsonaro, as medidas para enfrentar a segunda onda, não só um novo auxílio emergencial, mas, sobretudo, o atraso na vacinação demoraram. Essa demora contribuiu para elevar o número de mortes por covid-19 a mais de 600 mil, e também quebrou o ímpeto de recuperação que a economia vinha apresentando, na virada de 2020 para 2021.

Apesar dos obstáculos colocados pelo governo e o desestímulo à vacinação encarnado pelo próprio presidente, a vacinação avançou rápido, e a consequente reabertura do comércio e dos serviços permitiu uma redução do desemprego, mas a atividade estagnada tornou lenta essa recuperação. Assim, o ano termina ainda com 13 milhões de desempregados, um bom número há mais de dois anos, e com a informalidade em alta.

O aperto no mercado de trabalho e o auxílio de emergência, não só restrito, mas atrasado, contribuíram para o aumento da pobreza e do aumento do espectro da fome entre os brasileiros em 2021. Se em 2020, foram gastos R$ 520 bilhões, cerca de 10% do PIB, no enfrentamento da covid-19, em 2021, o total de recursos empregados não chegou a R$ 140 bilhões, nem 30% do empregado no ano anterior.

Não à toa ou por coincidência, viralizaram, nas redes sociais, imagens de pessoas disputando ossos de animais em caminhões de descarte e alimentos em lixões e até em caminhões de lixo. Essas são tristes imagens de um ano muito difícil, que não deixa herança positiva para 2022.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL