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Empresa fatura R$ 3,8 mi com coleira que pune cão por latir; médico critica

Afonso Ferreira

Do UOL, em São Paulo

16/03/2015 06h00

Uma tecnologia polêmica, condenada por defensores de animais e veterinários, é usada por uma empresa mineira para controlar cachorros. A ideia é auxiliar adestradores e donos de cães a tratar comportamentos indesejáveis, como latido excessivo, mastigação de objetos ou até a fuga do animal.

Só em 2014, a Amicus, de Santa Rita do Sapucaí (430 km ao sul de Belo Horizonte), faturou R$ 3,8 milhões com produtos eletrônicos para pets.

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O carro-chefe da empresa são as coleiras eletrônicas, que emitem um ruído ultrassônico audível apenas pelo cão toda vez o animal late. “Com o tempo, o cão associa o ruído ao latido e abandona o hábito”, diz Francisco Mecchi, 31, sócio da empresa. Há coleiras desse tipo vendidas há R$ 100.

A fábrica também produz uma cerca elétrica virtual, que serve para delimitar o espaço onde o cão pode circular. Por meio de fios enterrados no solo, o dono do animal cerca uma área e, quando o bicho se aproxima dos fios, um receptor preso à coleira emite um ruído. Caso o cão ultrapasse a área delimitada, ele recebe um choque de 80 volts.

“É uma descarga leve, que não prejudica o animal e o ajuda a entender que ele não pode ultrapassar aquela área, mesmo sem a presença de um muro ou barreiras físicas”, afirma o empresário.

Ativistas de direitos dos animais e veterinários criticam tanto a coleira de ruído quanto a cerca elétrica (leia mais abaixo).

A cerca virtual é vendida em um kit com 100 metros de fio, coleira receptora e bandeiras para demarcar a área por R$ 600. Caso o dono queira aumentar o espaço demarcado, é possível comprar o fio com maior extensão.

A mesma tecnologia do ruído ultrassônico é usada para corrigir outros comportamentos indesejáveis. Quando um cão rosna para um visitante ou morde um objeto, por exemplo, o adestrador ou dono do animal aperta um botão em um controle remoto e a coleira emite o ruído. “É como se fosse um ‘não’ dito por uma pessoa”, diz Mecchi.

Empresa fica no ‘Vale da Eletrônica’

O negócio nasceu em 2004, quando Mecchi estudava engenharia elétrica no Inatel (Instituto Nacional de Telecomunicações). Segundo o empresário, a ideia veio de um amigo adestrador e ex-sócio da empresa. “Esse tipo de equipamento já era comum no exterior, mas pouco conhecido no Brasil”, afirma.

A empresa foi incubada no Inatel por três anos. Na época, os sócios gastaram R$ 30 mil para começar o negócio. “O ambiente da cidade é muito propício para empreender”, afirma. Santa Rita do Sapucaí é conhecida como o “Vale da Eletrônica”, devido à concentração de empresas e institutos de pesquisa no setor.

Ativista vê crueldade em equipamentos

A empresa diz que seus produtos seguem padrões internacionais e não configuram maus tratos aos animais. No entanto, Silvana Andrade, presidente da Anda (Agência de Notícias de Direitos Animais), discorda e diz que nem tudo o que é legalmente aceito é bom para os bichos.

Segundo ela, usar ruídos e choques elétricos para educar cães é crueldade. “É inimaginável uma criança ser educada dessa forma. Por que utilizar isso em um animal?”, questiona. “Sou absolutamente contrária [ao uso desses equipamentos].”

Choque elétrico causa dor e pode traumatizar, diz veterinário

O médico Mario Marcondes, diretor clínico do Hospital Veterinário Sena Madureira, em São Paulo, diz que o choque elétrico provoca dor aos cães e pode desenvolver traumas psicológicos no animal, como medo, diminuição no apetite e apatia.

Quanto ao ruído emitido pela coleira, seu uso só é recomendável quando a causa do mau comportamento não é identificada, segundo o especialista. "Ainda assim, a coleira deve ser usada por, no máximo, quatro horas por  dia. Caso contrário ele também pode desenvolver traumas."

Lucratividade é menor para quem cria tecnologia

Empresas com foco no desenvolvimento de produtos e tecnologias, geralmente, têm menor lucratividade, segundo Cláudio Carvajal, professor da Fiap (Faculdade de Informática e Administração Paulista). A Amicus, por exemplo, apesar de ter faturado R$ 3,8 milhões, teve lucratividade de 12% (R$ 456 mil de lucro), segundo os sócios.

Para Carvajal, a inovação tecnológica consome mais investimentos, o que reforça a necessidade de planejar o negócio. “Antes de começar, é preciso ter uma reserva de capital para suportar o custo alto no período em que a empresa tem poucos clientes”, diz. “Muitas empresas com boas ideias quebram logo no início porque não calculam os custos de funcionamento.”

Onde encontrar:

Amicus: www.amicus.com.br