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Meu sonho é ter carteira assinada, diz transexual; mercado ainda é difícil

Ricardo Marchesan

Do UOL, em São Paulo

03/03/2015 06h00

Isla Silva, 32, é transexual e nunca teve sua carteira de trabalho assinada. "Já fiquei muito triste por isso. De chorar, até. Hoje sou mais centrada", conta. Ela vive de trabalhos temporários com moda e beleza. 

A realidade do mercado de trabalho para transexuais e travestis ainda é difícil, principalmente para aqueles que assumem a identidade na adolescência. Outros optam por escondê-la, como o soldado Marcelo Viana dos Santos, que usou a identidade de mulher no início da carreira na PM, com medo do preconceito.

Preconceito está presente até na moda

Foi a vontade de trabalhar na área que motivou Isla Silva a sair de Natal, onde nasceu e começou sua transição para transformar sua aparência masculina em feminina, e se mudar para São Paulo, aos 27 anos. "Na adolescência, era louca para trabalhar em lojas grandes [de departamento]. Mas nunca tive a chance".

Segundo ela, o fato de ser transexual a impediu de realizar o desejo. "Durante minha transição, era andrógina. Fazia entrevistas e nunca era chamada. Sempre fui muito menina". Ela afirma que também existe o preconceito no mercado da moda, visto como mais aberto ao público LGBT. "Você vê muitos gays, mas não trans. Em loja é muito difícil".

Ela começou sua transição aos 17 anos, tomando hormônios sem o acompanhamento médico. Autodidata nos estudos, completou o ensino médio e fez cursos de moda, mas quer ampliar sua qualificação. "Trans têm de saber se virar".

O sonho de trabalhar em uma loja realizou-se em Portugal, onde morou por um ano, vendendo acessórios. "Gostaria muito de ter carteira assinada em moda. [Trabalhar com] produção ou organização de eventos", afirma.

Site ajuda trans a encontrar emprego

Foi pensando na inserção de transexuais e travestis no mercado que a advogada Márcia Rocha criou, junto com dois amigos, o site TransEmpregos, plataforma de busca de trabalho.

Lançada em 2014, a página atualmente tem cerca de 430 currículos cadastrados. Ela não sabe dizer, no entanto, quantos já conseguiram um emprego.

Márcia Rocha, advogada que criou o site TransEmpregos - Petala Lopes/Folhapress - Petala Lopes/Folhapress
Márcia Rocha, advogada que criou o site TransEmpregos
Imagem: Petala Lopes/Folhapress

A advogada afirma que, no momento, trabalha com a divulgação e conscientização de empresas. "Trans é a última fronteira. Trans não tem a menor oportunidade", afirma. "Tem gente com pós, mestrado, e que não consegue emprego como faxineira".

Para ela, também dificulta a qualificação a realidade da maior parte dos travestis e transexuais, que, muitas vezes, são rejeitados pela família, obrigados a sair de casa cedo e interromper os estudos.

Alguns recorrem à prostituição, e acabam não querendo entrar no mercado formal de trabalho por causa do rendimento. "Tem travesti que saiu de casa aos 12 anos, não tem qualificação, e ganha na prostituição até R$ 4.000".

Para evitar o preconceito, ela mesma demorou 30 anos para "sair do armário". Fez a transição só depois que já tinha completado seus estudos e estava estabilizada na carreira. Hoje, advogada e dona de quatro empresas, afirma orgulhosamente que é travesti e lésbica.