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Brasileiros com emprego já acertado no Canadá esperam visto por até 2 anos

A cabeleireira gaúcha Tâmila Garcia já vendeu tudo o que tinha no Brasil - Arquivo pessoal
A cabeleireira gaúcha Tâmila Garcia já vendeu tudo o que tinha no Brasil Imagem: Arquivo pessoal

Claudia Varella

Colaboração para o UOL, em São Paulo

08/11/2021 04h00

Um grupo de mais de 170 brasileiros selecionados para trabalhar em empresas no Canadá reclama de demora na liberação de vistos de trabalho pelo Consulado Geral do Canadá. Um deles aguarda há mais de dois anos, desde 31 de outubro de 2019. Há casos em que a pessoa vendeu tudo no Brasil.

A espera é muito maior que a estimada pelo próprio consulado. Em 2 de novembro, ele informava prazo médio de processamento de 15 semanas. Antes da pandemia, a média ficava entre 6 e 8 semanas. Segundo o consulado, a pandemia impactou as operações, tornando imprecisas as previsões de prazos. O tamanho da fila não foi informado, mas o órgão diz que os vistos de trabalho são os mais afetados e que o governo do Canadá está priorizando os profissionais "essenciais", como trabalhadores da agricultura e da saúde (médicos, enfermeiros etc.).

Cabeleireira do RS já vendeu tudo o que tinha no Brasil

Os brasileiros à espera do visto temem que as empresas canadenses desistam de esperar.

Contando com a mudança para o Canadá, Tâmila Garcia, 30, já vendeu tudo o que tinha aqui no Brasil: móveis, carro e dois negócios que ela e o marido, Marcos Borchardt, tinham em Santo Ângelo (RS), um salão de beleza e uma distribuidora de produtos capilares. Agora, o casal mora com a sogra.

A cabeleireira foi contratada para trabalhar em um salão de beleza em Chilliwack, na província de Colúmbia Britânica.

"Essa demora pode fazer com que eu perca meu emprego no Canadá. Minha chefe pergunta com frequência a data da minha chegada. Em setembro, ela inaugurou mais um salão, mas está sem mão de obra", disse Tâmila, que conseguiu a vaga depois de enviar currículos para salões de beleza do Canadá. Ela aguarda o visto há 20 semanas (desde 18/6/2021).

À espera do visto desde 2019

O atraso na liberação do visto de trabalho de A.G. (ele prefere não se identificar), 35, é ainda maior: 105 semanas. Ele solicitou o visto no consulado em 31 de outubro de 2019.

"Jamais esperaria tamanho desrespeito por parte de órgãos canadenses. É claro que entendo o que estamos vivendo. A pandemia prejudicou todo mundo. Mas são quase dois anos de espera", declarou ele, que foi contratado para trabalhar como carpinteiro em uma empresa em Vancouver.

A.G. diz que a companhia tem anunciado nas redes sociais vagas de trabalho. "Caso consiga preenchê-las, meu processo pode vir por água abaixo", afirmou ele, que mora em São Paulo e conseguiu a vaga de trabalho por conta própria.

Espero um retorno do consulado. Por mais que esteja decepcionado e cansado psicologicamente por essa demora, ainda tenho sonhos e planos. Vejo o setor de imigração como o anfitrião de um país. Quero acreditar que o Canadá seja um país justo e respeitoso.
A.G., que espera o visto desde outubro de 2019

'Meu gerente está incrédulo'

Uma zootecnista (ela prefere não se identificar) de 35 anos, de São Paulo, foi contratada para trabalhar com nutrição animal em uma empresa no Canadá.

"Ela tem filial no Brasil e, com a demora no processo, resolveu me contratar por aqui, até sair o visto. Já estou exercendo a função remotamente. Foi a forma que achamos para eu tocar o projeto. Mas minha vaga é no Canadá", explicou.

Ela diz que a vaga de trabalho foi oferecida pelo seu gerente atual.

"O primeiro contato da empresa foi em 2018, e o acordo foi fechado em fevereiro de 2019. Mas o LMIA [Avaliação de Impacto no Mercado de Trabalho, na sigla em inglês] demorou bastante. Só saiu em agosto de 2020. Por isso, só fiz a aplicação do visto de trabalho no Consulado em outubro de 2020", disse.

O LMIA é um processo que avalia se uma oferta de trabalho dada a um trabalhador estrangeiro não terá impacto negativo no mercado de trabalho canadense.

A própria empresa contratou um escritório de advogados especializado em imigração para cuidar do processo. "Quando o LMIA foi aprovado, os advogados falaram que em 90 dias eu deveria estar no Canadá", afirmou ela, que espera o visto de trabalho há 57 semanas (desde 2/10/2020). "Meu gerente está incrédulo com tudo isso."

Veterinário de BH cobra 'análise dos vistos'

O cirurgião veterinário Christovão Junger, 37, de Belo Horizonte, fez a solicitação do visto de trabalho em 10 de janeiro deste ano. "Não estou cobrando nada além do que acredito ser direito nosso, que é a análise dos vistos", diz.

Ele buscou por conta própria um emprego no Canadá e foi selecionado em agosto de 2020 para trabalhar como técnico em veterinária em uma clínica em Riverview, província de New Brunswick.

Para Junger, a empresa empregadora está sendo "bem paciente". "Acredito que ela se sinta de mãos atadas também", declarou ele, que aguarda a liberação do visto há 43 semanas (desde 10/1/2021).

Demora gera ansiedade

Vitor Araújo, 23, assinou contrato para trabalhar como eletromecânico numa empresa na cidade de Québec. Ele deu entrada no pedido de visto de trabalho em 9 de janeiro deste ano. Araújo diz que a empresa canadense garante que vai esperá-lo, apesar da demora (43 semanas).

"Eu e minha esposa estamos morando na casa dos meus pais, em São Paulo, desde a aplicação do visto. Devido às incertezas, ficamos com a vida parada aqui", conta.

Ele diz que a espera trouxe um "extremo desgaste mental e emocional".

Essa incerteza sobre o futuro acarretou em problemas psicológicos, como ansiedade e princípio de depressão. Tive até mesmo que recorrer a terapias e medicamentos. Esse processo está sendo extremamente desumano e desrespeitoso com todos nós.
Vitor Araújo, eletromecânico

Brasileiros organizaram um grupo para reclamar

Os brasileiros criaram um grupo no WhatsApp para o envio de mensagens nas redes sociais de órgãos relacionados à imigração. O grupo também entregou uma petição com 47 assinaturas ao departamento de Imigração, Refugiados e Cidadania do Canadá (IRCC, na sigla em inglês), que processa os pedidos. Não houve resposta até agora.

Para reclamar do atraso, eles têm mandado email e webform (forma online de comunicação com o consulado) praticamente toda semana. Outra ação do grupo é postar comentários sobre o problema no Instagram, nos perfis de feiras de recrutamento de mão de obra, e em lives desses eventos.

No mês passado, o consulado solicitou aos brasileiros a atualização de documentos e da confirmação da oferta de trabalho canadense, para analisar os pedidos de visto.