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Por que menos empresas entraram na Bolsa, e o que muda para o investidor?

Janela de ofertas em 2022 será mais apertada e mercado será mais seletivo, dizem profissionais de mercado - Getty Images
Janela de ofertas em 2022 será mais apertada e mercado será mais seletivo, dizem profissionais de mercado Imagem: Getty Images

João José Oliveira

Do UOL, em São Paulo

26/12/2021 04h00

Resumo da notícia

  • Lançamentos de ações na Bolsa neste ano chegaram a 49, melhor resultado desde os 61 IPOs de 2007
  • Mas após 41 operações até julho, mercado de IPOs trava, e 76 negócios foram interrompidos
  • Dois terços de ações lançadas neste ano registram desvalorização desde o lançamento

O mercado estava contando em 2021 com um recorde de IPOs (sigla em inglês para oferta pública inicial, que é a entrada de uma empresa na Bolsa de Valores). O recorde anterior era de 2007, com 61 lançamentos. Mas depois de atingir 41 transações até julho, o mercado perdeu força. E desde agosto foram concluídas apenas mais oito operações, enquanto outras 76 estreias na Bolsa foram interrompidas.

Um mesmo fator, mas com sinais trocados, é o principal responsável pelo ciclo positivo e pela estagnação dos IPOs, segundo profissionais de mercado. Os juros em queda levaram mais empresas à Bolsa na primeira metade de 2021, mas a partir deste segundo semestre, a alta da Selic interrompeu a continuidade da bonança. Veja abaixo.

Além de abortar a construção de um ano recorde em número de IPOs no Brasil, o aumento dos juros também afetou negativamente o desempenho das ações que chegaram a estrear na Bolsa. Trinta e três estreantes acumulam queda de valor desde o lançamento, contra 16 que apresentam ganhos (considerando variações acumuladas no ano até 13 de dezembro).

O ano de 2021 poderia ter sido o melhor não apenas em número de empresas na Bolsa como em desempenho, mas por causa dos juros a janela de oportunidades acabou ficando curta.
Danielle Lopes, sócia e analista da Nord Research

IPOs em número de operações e valor movimentado

  • 2007: 61 operações e US$ 27 bilhões
  • 2017: 14 operações e US$ 10 bilhões
  • 2018: 3 operações e US$ 7 bilhões
  • 2019: 9 operações e US$ 5 bilhões
  • 2020: 28 operações e US$ 8,5 bilhões
  • 2021: 49 operações e US$ 16,7 bilhões

Primeiro semestre de captações

Os juros baixos foram aliados das ofertas iniciais na Bolsa no primeiro semestre, apontam profissionais de mercado. Os motivos são os seguintes.

Menor concorrência da renda fixa: Juros baixos reduzem os ganhos da renda fixa, o que leva mais pessoas a buscarem alternativas para aplicar o dinheiro. As ações ofertadas na Bolsa aparecem como uma das opções. A taxa básica de juros que já vinha caindo desde 2017 acelerou a queda em 2020 e começou 2021 chegando a 2% ao ano, o menor nível histórico.

Valorização das empresas: Juros baixos favorecem o consumo das pessoas porque o crediário fica mais barato, e as empresas podem tomar empréstimos com taxas mais baixas para ampliar os negócios. Isso alimenta as receitas das companhias, que passam a valer mais porque podem lucrar mais.

Na primeira metade do ano, a liquidez farta e os juros baixos aqui e no mundo impulsionaram muitos IPOs. Havia dinheiro nos fundos de investimento, que tinham captado recursos de pessoas físicas e também recursos de investidores institucionais. Nesse cenário, os donos das empresas se sentiram animados para obter recursos na Bolsa.
João Piccioni, analista da casa de análises Empiricus

Juros sobem e afetam IPOs

Mas, no segundo semestre, os juros em alta viraram adversários das ofertas iniciais na Bolsa por quatro principais motivos, segundo profissionais de mercado:

Concorrência da renda fixa: Quando a taxa básica de juros sobe, isso aumenta o ganho das aplicações de renda fixa conservadoras e com risco baixo, como Tesouro Selic, fundos DI e CDBs de liquidez diária, por exemplo. Para colocar dinheiro numa ação em vez de aplicar na renda fixa sem muito risco, o investidor vai querer um desconto no preço da ação. Foi o que aconteceu quando a Selic começou a subir e acelerou o passo da alta.

Saques dos fundos: Com a Bolsa em queda e a renda fixa mais interessante, aumentaram os pedidos de resgates nos fundos de investimento de varejo. Para atender aos pedidos de saques, os gestores tiveram que antecipar vendas de ações, o que acabou aprofundando o movimento de desvalorização de alguns papéis que tinham estreado recentemente na Bolsa.

Menor valor das empresas: Os juros mais elevados provocam uma revisão para baixo no valor das empresas porque o potencial de vendas e de lucros é revisto para pior com a economia mais lenta.

Economia mais fraca: Juros elevados são usados pelo Banco Central para combater a inflação, que chegou aos maiores patamares desde 2003. O problema é que esse remédio tem o efeito colateral de desestimular o consumo e esfriar a economia. Se as famílias compram menos, as empresas têm vendas e lucros afetados, o que reduz o potencial de valorização das ações negociadas na Bolsa.

A partir do meio de ano, os fatores positivos começaram a mudar de sinal e passaram a atrapalhar os IPOs. Selic subindo de 2% para quase 10% faz diferença enorme para quem vai escolher entre investir em IPO ou aplicar em algo mais seguro da renda fixa.
Denis Morante, sócio-fundador da Fortezza Partners

Impacto nas ações estreantes

Veja abaixo como se comportaram as ações lançadas em Bolsa neste ano, no dia da estreia e quanto acumulam de variação na cotação desde o primeiro dia de negociação (até 12 de dezembro)

Algumas operações travadas

Além da desvalorização registrada pela maior parte das ações que fizeram IPO neste ano, o segundo semestre mais adverso também prejudicou os planos de várias empresas que estavam com estreia em andamento. E 76 operações foram interrompidas ou canceladas.

Se esses negócios tivessem ido adiante, os IPOs no mercado brasileiro em 2021 teriam batido com sobras o recorde registrado em 2007, afirma Danielle Lopes.

Destaques entre os negócios de 2021

Entre as empresas que apresentam desempenho positivo para as ações lançadas neste ano, estão companhias líderes nos segmentos em que atuam e que tocam negócios mais maduros e testados, ou seja, com um histórico já conhecido pelo mercado.

A venda de novas ações foi apenas um passo a mais dentro de um modelo de negócios que já vinha apresentando resultados positivos há alguns anos, afirmam profissionais de mercado.

Ações de empresas que já tinham estrutura e modelo de negócio testados e com diferencial em relação à concorrência se sustentaram bem neste ano.
João Piccioni, Empiricus

Mesmo com a desvalorização da maior parte das ações estreantes e a redução do ritmo de novas empresas na Bolsa no segundo semestre, o mercado brasileiro chega ao fim de 2021 mais forte, dizem analistas.

A gente poderia ter ultrapassado as 500 empresas na B3, é verdade. Mas as ações que conseguiram fazer o IPO já ampliam as opções que os investidores brasileiros passam a ter para aplicar na Bolsa. Isso é parte do processo de amadurecimento do nosso mercado de capitais.
Danielle Lopes, Nord Research

Cenários para 2022

O ano que vem será mais parecido com o segundo semestre de 2021 do que com a primeira metade do ano, apontam profissionais de mercado.

Isso quer dizer que as operações de IPO serão mais escassas. De um lado, haverá menos investidores dispostos a colocar dinheiro em ações estreantes na Bolsa. E de outro lado, as empresas deverão optar por aguardar uma melhora do ambiente econômico para que possam receber preços maiores por seus negócios.

Os motivos para isso são pelo menos quatro:

  1. Juros elevados: A taxa básica de juros vai continuar subindo no ano que vem, devendo ir até 11,75%, segundo projeções de mercado.
  2. PIB fraco: A economia vai crescer menos em 2022 que em 2021, recuando de uma expansão na casa de 5% neste ano para perto de zero ou mesmo para uma retração ano que vem.
  3. Eleições: No segundo semestre, há eleições presidenciais e, historicamente, anos de votação para presidente da República são marcados por maior grau de incerteza na economia e maior volatilidade dos ativos nos mercados.
  4. Juros nos EUA: No exterior, ainda existe a expectativa de aumento de juros nos Estados Unidos. Esse movimento fortalece o dólar e atrai recursos de investidores para a economia americana, o que reduz o fluxo de capital para outros mercados, como o brasileiro.

A janela de oportunidades para operações de IPO em 2022 será menor porque passarão menos empresas. O mercado será mais seletivo.
Denis Morante, sócio-fundador da Fortezza Partners

Entre as operações que devem ter espaço para acontecer em 2022, estão dois tipos de negócio:

  • Ofertas secundárias: Quando uma empresa que já tem ações em Bolsa decide vender mais uma parte do capital.
  • Ofertas com esforço restrito: Conhecidas no mercado como oferta 476, são as operações destinadas exclusivamente a investidores institucionais, como fundos de pensão e grandes fundos de investimentos. Ou seja, os investidores menores ficam de fora.

Podemos ter algumas ofertas secundárias e mais ofertas 476. A pessoa física deve ficar mais na renda fixa por causa dos juros, e os fundos de investimentos ainda estão na dinâmica de resgates.
João Piccioni, Empiricus

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