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Macri intervém em órgão regulador de meios de comunicação na Argentina

23/12/2014 18h01

Buenos Aires, 23 dez 2015 (AFP) - O presidente argentino, Mauricio Macri, afastou nesta quarta-feira o chefe da agência Audiovisual do Estado, leal à ex-presidente Cristina Kirchner (2007-2015), em um nova demonstração da profunda divisão política no país.

O ministro das Comunicações, Oscar Aguad, disse que foram alvo de intervenção a Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual (AFSCA) e a Autoridade Federal de Tecnologias da Informação e de Comunicações (AFTIC) porque "ambos os organismos e suas autoridades não respondem à nova estrutura orgânica da Lei de Ministérios".

O objetivo do novo governo de direita liberal é unir AFSCA e AFTIC, mas o mesmo considera "em rebeldia" funcionários kirchneristas, entre eles Martin Sabbatella, diretor afastado do órgão regulador audiovisual, peça-chave do kirchnerismo na queda de braço com o grupo de mídia Clarín pela polêmica Lei de Meios.

Sabbatella foi o rosto do kirchnerismo no confronto com o Clarín, após a negativa da poderosa companhia em se desprender de sua rede de rádios, canais e sistemas de TV a cabo.

No lugar de Sabatella, Macri nomeou Agustín Garzón, militante do partido governista Proposta Republicana (PRO, direita) e advogado da Universidade Católica Argentina (UCA), a maior privada do país e de onde são provenientes vários funcionários do novo governo que assumiu em 10 de dezembro.

"Ele toma decisões sem se ater às políticas do governo. Está em rebeldia", afirmou em uma coletiva de imprensa o ministro de Telecomunicações, Oscar Aguad, sobre Sabbatella, ao justificar a decisão de Macri.

"Queremos aplicar a lei de maneira objetiva, imparcial e que todos tenham os mesmos direitos. Nós não pretendemos nomear funcionários que perdurem no tempo", disse o ministro.

Em reação, Sabbatella denunciou na porta da entidade, cercado de partidários, que "este governo (de Macri) foi eleito democraticamente, mas tem surtos de governo de fato".

"Vamos pedir ao poder judicial que coloque um freio em toda esta loucura", advertiu.

Enquanto o anúncio oficial era feito, uma forte operação policial foi mobilizada em torno da sede da agência, onde se concentravam dirigentes e partidários da ex-presidente.

Aguad explicou que o governo ordenou este dispositivo de segurança especial diante da possibilidade de distúrbios.

Centenas de kirchneristas de aproximaram da sede da AFSCA em sinal de "resistência e apoio" a Sabbatella, que apresentou um recurso contra o decreto e avisou que continuará em suas funções até que exista uma decisão judicial sobre a validade da medida.

Ele se disse disposto a resistir, amparado na Lei de Meios, que lhe confere um mandato até 2017.

"É um atropelo brutal. Aguad expressou que a Lei de Meios tem que desaparecer. Se é assim tem que ir ao Parlamento, revogá-la e fazer outra", havia dito Sabbatella antes da intervenção à Rádio 10.

"Macri, respeite o Congresso", "Vamos todos resistir" diziam alguns cartazes em meio a bandeiras de movimentos kirchneristas.

O anúncio da fusão destas duas entidades reguladoras da mídia foi um dos eixos do maciço protesto contra Macri na semana passada, o primeiro contra ele desde que assumiu a Presidência, em 10 de dezembro.

A entidade Audiovisual é responsável por fazer com que seja cumprida a diretriz que estabelece que os monopólios de meios de comunicação vendam em partes suas maiores unidades de negócios. O "macrismo" votou contra a lei sancionada em 2009.

A intervenção também alcança a entidade de Tecnologias de Comunicações. Seu diretor, o kirchnerista Norberto Berner, foi afastado. Em seu lugar foi nomeado Mario Frigerio, também vinculado à UCA.

Lei não aplicadaA Lei de Meios teve o apoio inclusive de setores da oposição, para colocar fim aos meios dominantes e abrir licenças de rádio e televisão em favor de organizações sociais.

"Estamos estudando uma convergência tecnológica e de controles", respondeu sem dar detalhes Aguad diante de uma pergunta sobre se impulsionará mudanças na Lei de Meios.

A Lei está impugnada na Justiça pelo grupo Clarín, um dos maiores conglomerados de meios de comunicação da América Latina, o que iniciou a batalha judicial e uma enorme polêmica. A divisão anti-monopólio nunca pôde ser aplicada ao grupo Clarín, que apelou aos tribunais.

Os meios de comunicação do Clarín denunciavam que o governo de Kirchner queria silenciá-los e o governo sustentava que a acusação era uma desculpa para defender interesses de grandes grupos econômicos.

O kirchnerismo é uma variante peronista de centro-esquerda, derrotado em uma votação apertada no dia 22 de novembro no segundo turno das eleições presidenciais por Macri, o primeiro líder da direita liberal que chega ao poder na Argentina em eleições livres, democráticas e sem fraude.

Em meio ao aprofundamento do conflito, nesta quarta-feira é exibido pela última vez o programa jornalístico "678", da Televisão Pública. O programa tem sido um ferrenho defensor das políticas do kirchnerismo e fórum de críticas aos grandes meios opositores a Kirchner.

O nomeado chefe do Sistema Nacional de Meios Públicos, Hernán Lombardi, tinha antecipado o fim do programa por ser "muito agressivo".