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'O Natal está morto': venezuelanos planejam festejos precários devido à crise

23/12/2014 13h11

Caracas, 23 dez 2015 (AFP) - Para Elise Belisario, o Natal "está morto". Ao menos em Petare, comunidade pobre de Caracas, onde a decoração desta época desapareceu e onde os vizinhos restringirão os pratos tradicionais devido à crise econômica, em um país que durante anos celebrou estas datas com abundância.

Uma das maiores favelas da América Latina, Petare reflete em cada esquina o castigo que significa para os venezuelanos ter a inflação mais alta do mundo, acima de 200% no fim do ano, segundo cálculos privados (o governo de Nicolás Maduro não publicou dados do custo de vida em 2015).

"Neste ano o Natal está morto, o dinheiro não dá. O Natal se apagou", afirma Elise, uma morena de 28 anos, que ficou desempregada e precisa apertar o cinto para pagar o aluguel da casa onde vive com seus dois filhos.

Há pouco tempo, com a bonança petrolífera que começou a se extinguir em agosto de 2014 e que estimulava o consumismo no Natal, as festas eram muito diferentes.

Elise lembra as varandas iluminadas de Mesuca, um dos bairros montanhosos de Petare.

"Você caminha por tudo isto e não há uma luzinha. O rio Guaire ficava iluminado, agora nada", comenta a mulher. "Éramos ricos e não percebíamos", lamenta.

Vacas magrasTestemunho desta situação são as caixinhas de Natal, recipientes em forma de porquinho onde os clientes das lojas deixavam gorjetas para serem divididas entre os funcionários.

"Agora está mais pobre porque as pessoas têm menos dinheiro, se preocupam mais em comprar seus alimentos que em presentear", conta Olga González, de 50 anos, caixa de um supermercado da área central de Petare, que vestiu seu porco com uma roupa de Papai Noel.

Seu local de trabalho está vazio, diferentemente de outros Natais. "As vendas estão mais baixas do que nunca", afirma.

Natal sem pratos tradicionaisParadoxalmente, em Petare o problema não é a escassez, mas em muitos casos os produtos são vendidos a preços extremamente elevados para o bolso dos venezuelanos.

Isso porque - assim como no resto do país - os problemas de desabastecimento e o ferrenho controle de preços do governo encorajaram a acumulação e a revenda.

O governo de Maduro responsabiliza empresários e membros da oposição pelo que considera uma guerra econômica que gera escassez e inflação.

Xiomara, de 38 anos, trocou a venda nas ruas de filmes pela de ovos, que estão escassos desde que o governo ordenou recentemente a diminuição de seus preços. Mas o efeito que a medida gerou foi o contrário.

Atualmente uma caixa com 30 ovos custa 1.300 bolívares, contra os 420 que valeriam com o preço regulado. Vale dizer que o salário mínimo é de 9.600 bolívares.

Calcular estes custos em dólares é complexo, já que na Venezuela - onde o governo monopoliza as divisas - há três tipos de câmbio, além do mercado negro, que excede em 120 vezes a taxa oficial mais baixa e informalmente é usado para fixar preços.

Mas os lucros de Xiomara também são diminuídos porque diariamente precisa pagar um policial para que não apreenda os ovos, muito procurados nesta época para a salada de frango, um prato típico natalino.

No início de novembro, o governo importou 50 milhões de dólares apenas em brinquedos, assim como em alimentos e enfeites. Mas em Petare, um boneco de plástico custa quase três salários mínimos.

Os altos preços impedirão que Elise prepare "hallacas", um bolo de farinha de milho envolvido em folhas de bananeira, uma receita natalina venezuelana por excelência.

"Não dá para fazer", afirma. Isso porque um saco de 20 quilos é vendido por 5.500 bolívares (o preço oficial é 1.600). Isso sem contar que o prato também leva carne, azeitonas, passas e alcaparras.