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FMI enfrenta a hostilidade da América Latina

05/10/2015 18h48

Washington, 5 Out 2015 (AFP) - Ao celebrar, esta semana, sua assembleia anual em Lima, o Fundo Monetário Internacional (FMI) escolheu uma das regiões do mundo mais hostis a suas receitas.

Da Venezuela à Argentina, passando por Cuba e Brasil, a América Latina parece ter uma indigestão dos remédios anticrise que o FMI tem receitado desde a década de 1960.

"É uma longa história de amor", comentou ironicamente à AFP Claudio Loser, um ex-chefe da divisão América Latina no FMI. "Existe há tempos um discurso no continente segundo o qual o FMI é um instrumento de um novo tipo de imperialismo", acrescentou.

Cuba foi até o limite dessa lógica, ao se transformar, em 1964, poucos anos depois da revolução, no único país a bater com a porta com a porta na cara do Fundo.

A Argentina foi menos drástica, continua crítica à instituição e seus planos de resgate, considerando-a responsável por sua quebra em 2001. "Onde estava o FMI que não pôde advertir nenhuma crise?", questionou Cristina Kirchner em 2013.

A Venezuela não é menos dura. Em julho passado, seu presidente, Nicolás Maduro, disse que a instituição "chupa o sangue (dos países) por um lado e, quando eles precisam de oxigênio, tira a bomba de oxigênio". Caracas não abre suas contas ao FMI desde 2004.

O boliviano Evo Morales usou uma metáfora para criticar o FMI em 2009. "É como entregar o dinheiro ao lobo ou que o lobo cuide das ovelhas; o lobo jamais cuidará das ovelhas, ele vai devorá-las", declarou.

O Brasil, que contou com a ajuda do FMI de 1998 a 2005, tomou distância de modo mais sutil, criando com outros países emergentes seu próprio fundo monetário para denunciar uma instituição ainda dominada pelas potências ocidentais.

"Erros"Por que tanta desconfiança? O saldo do FMI na região continua difícil de medir.

"Foram cometidos muitos erros e houve uma cota de arrogância", admitiu Loser. "Mas os países são agora mais prudentes em sua gestão econômica".

Nessa rejeição ao FMI pode incidir um fator geopolítico: a crescente emancipação da América Latina em relação aos Estados Unidos, especialmente desde a chegada ao poder da esquerda, na década de 2000.

"É parte de sua declaração de independência em relação aos Estados Unidos", o maior acionista do FMI, diz Mark Weisbrot, do centro de análise Center for Economic and Policy Research, com sede em Washington.

Nos últimos anos, os países da região acumularam reservas internacionais para não ter que recorrer ao FMI em tempos difíceis.

Resultado: com exceção das pequenas ilhas do Caribe, apenas dois países -México e Colômbia- contam com programas do FMI na região na forma de simples créditos de precaução.

O atual diretor do departamento de América Latina do FMI não vê "sinais de desconfiança".

"A ausência de programas de assistência reflete sobretudo que a situação financeira dos países da região é muito melhor do que antes", disse Alejandro Werner em uma entrevista à AFP.

Ao realizar pela primeira vez em 50 anos na América Latina, especificamente em Lima, o FMI também quer demonstrar que os tempos mudaram e que o organismo quer virar a página.

"A região não mudou muito nos últimos vinte anos e o Fundo também evoluiu", disse Werner, para quem a relação é "menos conflitiva e mais construtiva que no passado".

É certo que as relações com a Argentina e a Venezuela continuam frias, mas o FMI não perde a esperança de uma aproximação "mutuamente vantajosa".

"É boa para os países, já que podemos aportar-lhes experiência e compartilhar melhores práticas", disse Werner. "É também boa para nós,porque poderemos ter uma análise mais profundo da região".