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Nobel de Economia diz que as bases do euro são causa dos males da Europa

14/09/2016 13h53

Paris, 14 Set 2016 (AFP) - A moeda única europeia foi mal concebida, sob a influência da "ideologia neoliberal", e hoje é causa de muitos dos males da zona do euro, como a estagnação, o desemprego e os populismos, alerta o prêmio Nobel de economia, Joseph Stiglitz, em entrevista à AFP.

"Quando as regras são ruins, devem ser mudadas, senão vamos direto para o desastre", afirmou o economista que lança na França seu livro "O euro: como a moeda única ameaça o futuro da Europa".

Stiglitz abriu mão da gravata por conta do calor pouco habitual em Paris para um mês de setembro. No entanto, não perdeu sua eloquência, em particular para multiplicar suas críticas contra a política econômica europeia.

"Com modelos econômicos errôneos, chegamos obrigatoriamente a um mau diagnóstico e a receituários ruins", disse o ex-economista-chefe do Banco Mundial e Nobel de economia em 2001.

Embora o midiático Stiglitz busque as palavras adequadas, seus ataques são frontais. Após o lançamento do euro "os economistas esperavam o primeiro choque para colocar a moeda à prova. Isso aconteceu em 2008, e as consequências foram desastrosas", resumiu.

Stiglitz questiona as regras, em particular os intocáveis 3% de déficit fiscal, máximo autorizado segundo as normas europeias, "que cai do céu" e que, segundo ele, não se baseia "em nenhuma teoria econômica".

"Foi Deus que transmitiu os dez mandamentos no monte Sinai, mas as regras do euro foram simples seres humanos que estabeleceram", disse, com ironia, o economista americano que pede a revisão das normas.

- Um exemplar para o ortodoxo Schauble -"A ideia de que a austeridade permite voltar a ter crescimento e prosperidade é atualmente rejeitada pela maioria dos economistas e inclusive pelo FMI (Fundo Monetário Internacional). Infelizmente, continua sendo a opinião que predomina dentro do governo alemão e, em particular, em seu ministério das Finanças", lamenta o prêmio Nobel que se propõe a enviar um exemplar de seu livro ao ministro alemão da Economia, Wolfgang Schauble.

"Estou certo de que minha obra não o convencerá", sorri Stiglitz que denuncia em seu livro a "ideologia liberal" reinante na UE.

E sua definição de ideologia não deixa espaço para dúvidas. "Trata-se de uma crença que não está necessariamente baseada em provas", explicou, lembrando que a austeridade fracassou com a Grande Depressão, depois na Ásia e na Argentina. "Agora também na Europa!".

"O mais interessante é que o FMI aprendeu com o passado e reconheceu que se equivocou", ressalta.

Entretanto, Stiglitz diz-se surpreso com o fato de que na Europa ainda haja governos como o de Angela Merkel que persistem e, exigir políticas de ajuste "incoerentes com as reformas que a zona do euro precisa".

- Bom para bancos, ruim para o povo -Para Stiglitz, os erros estão na origem do euro. Os europeus "puseram o carro na frente dos bois" ao lançar a moeda única sem criar as instituições necessárias para administrá-la.

Pior ainda, "a moeda única tirou dos Estados os dois mecanismos de ajuste mais importantes: a taxa de câmbio e a taxa de juros. Os países estão com as mãos e os pés atados e só têm alguma margem (de manobra) na política fiscal. O mesmo acontece com o Banco Central Europeu, que só deve concentrar-se na inflação", explica.

Stiglitz pede reação para que não se coloque em risco o projeto europeu. "O euro talvez seja bom para algumas pessoas e para os banqueiros, mas não é para os cidadãos comuns. A sociedade fica estagnada, não cresce, o que fortalece partidos de extrema direita", adverte.

Em seu livro, Stiglitz apresenta várias soluções para tirar a Europa do beco sem saída em que se encontra: uma zona do euro dotada de instituições que permitam seu bom funcionamento, como um BCE que "não se limite a lutar contra a inflação, mas que se concentre na luta contra o desemprego e o crescimento".

Se os países não aceitam mais a Europa, ele propõe algumas alternativas. A mais fácil, segundo Stiglitz, seria a saída da Alemanha da zona do euro, o que tornaria os demais países mais competitivos pela desvalorização da moeda única.

Outra opção seria um divorcio de mútuo consentimento, ou a criação de "duas ou três zonas monetárias" à espera da criação de instituições necessárias.