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Analistas: Brasil mais liberal e eleições argentinas aceleraram Mercosul-UE

28/06/2019 18h03

Brasília, 28 Jun 2019 (AFP) - Um Brasil disposto a fazer maiores concessões no setor industrial e os temores de que a Argentina dê uma guinada à esquerda estimularam, do lado sul-americano, o acordo alcançado nesta sexta-feira entre o Mercosul e a União Europeia (UE), afirmam especialistas ouvidos pela AFP.

Os analistas discordaram acerca do peso que a guerra comercial entre Estados Unidos e China pode ter na concretização do acordo, negociado há 20 anos entre o Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) e o bloco europeu.

Brasil mais liberal

O ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Rubens Barbosa, afirma que "a posição do governo brasileiro começou a mudar com o [ex-presidente Michel] Temer", que substituiu, em 2016, a destituída presidente Dilma Rousseff, dando fim a 13 anos de governo de esquerda, mais reticentes à abertura comercial.

Os caminhos ficaram ainda mais abertos com a posse, em janeiro, de Jair Bolsonaro, eleito com uma agenda liberal implementada por seu ministro da Economia, Paulo Guedes.

"A boa vontade brasileira já estava instalada, e com o novo governo, mais liberal, se reforçou", concorda Carlos Abijaodi, da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

O governo de Bolsonaro "confiou as negociações Mercosul-UE a funcionários mais pragmáticos (...), aceitou fazer fortes reduções nas tarifas sobre importações da UE e prometeu eliminar ou reduzir outros elementos de suas políticas de comércio e investimento, que ainda são muito protecionistas", afirma Peter Hakim, do centro de análise Diálogo Interamericano, com sede em Washington.

Segundo Abijaodi, a indústria brasileira terá tempo para enfrentar a pressão e se reconstituir, porque os acordos preveem um alívio gradual das tarifas sobre importações europeias.

O resultado bem-sucedido é "uma grande vitória diplomática, porque Mercosul e Brasil estavam isolados há 20 anos", afirma Barbosa.

E Bolsonaro e Guedes podem colher os louros políticos e impulsionar "a aprovação no Congresso das aguardadas reformas da Previdência e de política tributária", complementa Hakim.

Fator Argentina

Outro fator que incidiu nas negociações foi o fato de Macri, encarregado da presidência pro-tempore do Mercosul, disputar em outubro a reeleição contra Alberto Fernández, cuja vice seria a ex-mandatária peronista de centro-esquerda, Cristina Kirchner (2007-2015).

Um dos fatores que influenciou foi "a preocupação de que Macri possa perder a eleição deste ano na Argentina, com Cristina Kirchner voltando ao poder (...). Ela simplesmente tem um apreço limitado pelo livre-comércio", disse Hackim.

"Enquanto Macri for presidente, a UE sabe o que esperar", reforça a economista Monica De Bolle, pesquisadora do Instituto Peterson de Economia Internacional (com sede em Washington) da Universidade Johns Hopkins.

E a guerra comercial?

Os analistas têm visões divergentes em relação ao impacto da guerra comercial entre EUA e China, ou do risco de o presidente Donald Trump adotar medidas protecionistas contra a Europa nesta negociação.

De Bolle considera esse fator mais importante do que a guinada política no Brasil. "O impulso foi dado por outros eventos: a guerra comercial que Trump ameaça iniciar com a UE e as eleições na Argentina", afirma.

Mas Hakim rejeita a tese da expansão da guerra comercial, levando em conta que os assessores de Trump veem "de forma muito positiva" a UE e "criticamente a China", bem como grande parte dos especialistas em comércio.

O acordo é viável por "concessões da UE e da Argentina e do Brasil", logo, "a guerra comercial não tem nenhum efeito", conclui Barbosa.

O governo brasileiro destacou, em nota, que o pacto foi alcançado em um momento de tensões e incertezas no comércio internacional.

Outros aliados

A aliança comercial não deve representar entraves para a relação do Brasil com os Estados Unidos de Trump, com quem Bolsonaro procura se alinhar diplomaticamente, nem com a China, maior parceiro comercial do gigante sul-americano.

"Não vejo nenhum problema com a China, ela mesma negocia com a UE neste momento", estima De Bolle.

Quanto a possíveis atritos com Washington, "acho que a possibilidade de que isso aconteça é baixa. O Brasil está muito fora do radar americano", acrescenta.

De acordo com Hakim, o acordo UE-Mercosul dá sinais "sobretudo positivos, de um Brasil mais aberto que nunca ao comércio, preparado para fazer o que for necessário para expandir suas fronteiras, para importar e exportar e que tem um bom começo para reformar a economia".

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