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Coronavírus acaba com criadores chineses de ratos e cobras para consumo

Consumidores selecionam carne em mercado de Pequim, na China - Kim Kyung Hoon
Consumidores selecionam carne em mercado de Pequim, na China Imagem: Kim Kyung Hoon

19/08/2020 09h16

Liu Yanqun começava a ganhar dinheiro com sua criação de ratos de bambu para fins alimentícios quando precisou se livrar dos mesmos depois que o governo chinês ordenou a proibição de animais exóticos, principais suspeitos da pandemia de covid-19.

Dezenas de milhares de criadores de ratos de bambu, bem como de cobras, civetas ou qualquer tipo de animal exótico consumido na China, ficaram sem renda desde que Pequim proibiu o comércio e o consumo de espécies selvagens.

"Tinha pedidos no valor de dezenas de milhares de yuans", lamenta Liu Yanqun, em frente às gaiolas vazias de sua criação em Hunan (centro), onde cerca de 800 ratos de bambu esperavam para ir para a panela.

Este roedor, que parece uma pequena marmota, tinha admiradores no centro e no sul do país. Sua carne foi popularizada na internet, onde celebridades da rede publicavam suas receitas favoritas.

Para criar sua granja, Liu, de 38 anos, converteu todos os seis cômodos da casa de sua família. Com a ordem do governo, as autoridades provinciais ofereceram-lhe uma indenização de 75 yuans (R$ 59) por quilo de rato de bambu, ou seja, apenas metade do valor de mercado, afirma.

Pela cobra, a oferta é de 120 yuans (R$ 95).

Uma ninharia para Li Wiguo, que já havia perdido metade de seus répteis, mortos de fome, quando os inspetores provinciais chegaram.

"Eu tinha 3.000 serpentes, mas o Estado só me reembolsou 1.600", explica.

250 mil empregos perdidos

O novo coronavírus pode ter sido transmitido aos humanos por um morcego, por meio de outro animal. Um mercado atacadista em Wuhan (centro), onde se vendia fauna viva, é considerado o possível epicentro da epidemia que surgiu no final do ano passado.

A causa da epidemia de Sras no início dos anos 2000 foi a civeta, um pequeno felino apreciado por sua carne delicada. Mas sua criação, entretanto, não foi proibida.

Desta vez, o regime comunista condenou os animais selvagens em todo o país, incluindo animais de criadouros.

Um drama para muitos criadores, que haviam sido incentivados pelo Estado a se lançar neste tipo de produção, que exige poucos investimentos, com o objetivo de erradicar a pobreza.

A proibição do comércio custa ao país cerca de 250 mil empregos e uma perda de 11 bilhões de yuans (R$ 8,7 bilhões) em termos de mercadorias não vendidas, de acordo com um relatório oficial divulgado na semana passada.

Em Hunan, como em outras regiões rurais, a miséria está na ordem do dia, longe dos arranha-céus novíssimos das metrópoles do leste do país, como Pequim e Xangai.

O presidente Xi Jinping fez da erradicação da pobreza uma de suas prioridades. Mas, embora a China tenha emergido como a segunda maior economia do planeta, ocupa apenas a 68ª posição no mundo em termos de PIB per capita devido à sua grande população, de acordo com uma classificação de 2019 do Banco Mundial.

A maioria dos criadores que viviam de animais selvagens agora está cheia de dívidas contraídas para iniciar seus negócios.

"Peguei tudo emprestado", conta Li Weiguo. "Não tenho como reembolsar meus amigos e familiares. Eles têm me pressionado muito hoje em dia", explica.

"Não tenho emprego e ninguém quer me dar um", continua o ex-criador de cobras, de 61 anos.

Huang Guohua diz que deve 400 mil yuans (R$ 316 mil), com uma indenização do Estado que, segundo ele, mal chega a um décimo da quantia.

"Com a epidemia, estamos voltando à pobreza, e ainda pior do que antes", resume este ex-criador de ratos de bambu de 47 anos.