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'As expectativas não foram cumpridas', diz ex-presidente Sarney sobre Mercosul

Sarney assinou em 1985 junto ao homólogo argentino Raúl Alfonsín a histórica Declaração de Iguaçu, que lançou as bases do bloco - Getty Images/iStockphoto
Sarney assinou em 1985 junto ao homólogo argentino Raúl Alfonsín a histórica Declaração de Iguaçu, que lançou as bases do bloco Imagem: Getty Images/iStockphoto

25/03/2021 13h12Atualizada em 25/03/2021 13h12

Brasília, 25 Mar 2021 (AFP) - O ex-presidente José Sarney (1985-90), um dos precursores do Mercosul, acredita que o bloco "não atendeu às expectativas" de integração regional com as quais foi criado há 30 anos.

Primeiro presidente civil do país após o fim da ditadura (1964-85), Sarney assinou em 1985 junto ao homólogo argentino Raúl Alfonsín a histórica Declaração de Iguaçu, que lançou as bases do bloco fundado por esses dois países junto a Uruguai e Paraguai.

Aos 90 anos, esse advogado, político e escritor - característico por seu grosso bigode e penteado para trás - resgatou, a partir de entrevista à AFP em sua residência em Brasília, que o Mercosul acabou com "a rivalidade Brasil-argentina", assim como o aumento do comércio e do turismo entre seus países-membros.

Mas lamentou que o excesso de politização, a falta de vontade de integração e as disputas internas tenham deixado o bloco estagnado.

E alertou que as propostas de autorizar os quatro sócios a negociarem separadamente acordos comerciais com terceiros podem enfraquecer a posição de cada um deles perante o mundo.

O Mercosul de agora se parece com o que você e Alfonsín projetaram?

O nosso ideal era fazer uma união como a Europa fez. O sucesso da União Europeia foi que não quis fazer uma integração que fosse apenas de palavras, mas uma integração efetiva, que foi feita por setores. Mas Infelizmente (no Mercosul), a mudança de governo faz como que aconteça algumas coisas que não estavam previstas. Os ex-presidentes Carlos Menem (Argentina) e o Fernando Collor tinham uma visão realmente mercantilista, queriam criar uma área de livre comércio em vez do projeto de integração, que era de integração física, cultural, tecnológica e econômica.

O mundo hoje vive do blocos econômicos e se eles não se completam, não interagem com outros setores, realmente perdem competitividade. Com o Mercosul, a Argentina ganhou o mercado brasileiro, de 200 milhões de pessoas, para poder vender sem tarifas. Mas nós precisamos de integração, não nos limitar a uma simples área de livre comércio.

Ou seja, até agora não cumpriu com as expectativas?

As expectativas não foram cumpridas, porque não se projetaram para que nós fizéssemos um mercado comum como fizeram na Europa e construir uma integração. Nossa ideia era com o tempo, com a integração por setores, ir incorporando novos países da América do Sul.

Porém ainda está em tempo?

Eu sou otimista. Como é uma ideia generosa, e uma ideia implantada que não deixa de crescer, pode demorar algum tempo. Eu não estarei vivo, mas esse projeto será feito, nos vamos ter uma América do Sul integrada.

Temos o continente mais pacífico do mundo (...) e isso é um patrimônio que no futuro vai nos beneficiar muito. Tenho a impressão de que a semente está lançada e vai frutificar. A história mundial e a continental não se fazem em poucos anos.

O que mudou nas relações entre Brasil e Argentina a partir da Iguaçu?

Acabou com a rivalidade Brasil-Argentina, hoje nós temos um fluxo turístico extraordinário dos dois países. Também acabou com as hipóteses de conflito entre os dois países. Também fizemos o acordo nuclear que acabou com a competição nuclear entre Brasil e Argentina, isso foi uma tarefa extraordinária para o mundo, porque nós somos o único continente que não tem armas nucleares.

Por que nunca foi criado no Mercosul um órgão supranacional, como a Comissão na União Europeia?

Eles mudaram (Presidentes seguintes). Em vez da integração por setores, eles transformaram o Mercosul apenas numa união aduaneira, mas dentro do projeto global tudo isso estava previsto, naqueles tratados que faziam parte do Tratado de Buenos Aires (Assinado por Sarney e Alfosín em 1988), mas infelizmente a vontade política deixou de existir.

Costuma-se dizer que o Mercosul está muito politizado e que depende muito da sintonia entre os presidentes do Brasil e da Argentina no momento...

A América do Sul se politizou muito, porque quando estávamos construindo o Mercosul foi o tempo que caiu o Muro de Berlim. Isso foi o fim das ideologias, mas aqui Cuba continuou da mesma maneira e com a sua ideia de exportar para o continente uma certa possibilidade revolucionária, e isso de certo modo contagiou. A Guerra Fria terminou lá, mas não terminou aqui, e isso de certo modo prejudicou esse processo.

Brasil, Uruguai e Paraguai propõem que cada país possa fechar acordos de maneira independente. A flexibilização é uma boa solução para desenvolver o bloco?

Isso é realmente uma coisa totalmente oposta ao Mercosul, agimos em conjunto para ser mais fortes. Não pode frutificar, somos países pequenos que não temos força (para negociar sozinhos). A união do Mercosul era justamente dar força à América Latina como um bloco econômico capaz de ter a nível mundial um peso que ele não tem, porque aqui no Atlântico Sul não passa nenhum fluxo mundial de importância.

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