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Com dívidas e inflação alta, brasileiros começam 2022 angustiados com a economia

05/01/2022 14h47

Jussara Romero só vê números no vermelho: a alta inflação no Brasil e as complicações resultantes da pandemia a obrigaram a se endividar cada vez mais, embora isso fique cada vez mais caro com o aumento das taxas de juros.

Apesar de 2021 se antecipasse como o ano da recuperação econômica após a pandemia, a crise volta a castigar os brasileiros, incluindo a classe média.

Preocupa especialmente a inflação de 10,74% em 12 meses até novembro, que corroeu o poder de compra. Para contê-la, o Banco Central aumentou de 2% a 9,25% a taxa básica de juros, a Selic, entre março e dezembro, arrastando as outras taxas do mercado.

Para Jussara, que lida com despesas e dívidas em atraso, este aumento representa um peso extra, sem ainda se refletir no alívio na inflação.

O frango, por exemplo, aumentou 22,9% entre janeiro e novembro, e o diesel, quase 50%.

"Em casa trocamos marcas de produtos, deixamos de ir para o trabalho de carro e suspendemos saídas", conta à AFP esta empreendedora de 37 anos, que administra uma creche e mora com a família no sudeste de São Paulo.

Mas ela só conseguiu um alívio adiando pagamentos com o cartão de crédito... Até a próxima fatura.

"Me preocupa que com os pagamentos parcelados tudo fique mais caro, mas não tenho alternativa", diz à AFP Jussara, que pediu, inclusive, um crédito para cobrir parte de suas despesas domésticas e os juros que acumula.

A taxa média do crédito rotativo para financiar o cartão disparou em novembro a 346,1% ao ano, após uma alta de 18,3% em 2021.

Assim como Jussara, muitas famílias brasileiras recorreram a este tipo de crédito diante da perda do poder aquisitivo e já "se vê uma parte maior da renda das famílias dedicada a cobrir os juros", explica Rachel de Sá, chefe de economia da Rico Investimentos.

Efeito cascata

A inflação, assim como o aumento da taxa básica de juros, estão afetando o consumo, principal motor da economia brasileira.

"O custo do dinheiro mais caro impacta, sobretudo, no consumo de bens duráveis, como eletrodomésticos e veículos", diz Fernanda Mansano, economista-chefe da plataforma de educação financeira TC.

A demanda destes bens, geralmente financiados, recuou 4,9% ao mês em outubro.

Os indicadores econômicos refletem uma deterioração mais ampla: menos demanda de bens e serviços e uma atividade industrial debilitada, que recuou em outubro pelo quinto mês consecutivo, multiplicando as preocupações com um mercado de trabalho em lenta recuperação, alerta Mansano.

O índice de desemprego caiu para 12,1% no trimestre de agosto a outubro em comparação com o anterior, mas com maior informalidade. Cerca de 12,9 milhões de brasileiros estão desempregados e 38,2 milhões trabalham na informalidade em uma força laboral que totaliza 106,9 milhões.

Isaac Coelho, morador de Embu das Artes, na região metropolitana de São Paulo, faz parte dos 40,7% com empregos precários.

"A coisa apertou aqui em casa pela pandemia e tive que sair para trabalhar", conta o jovem de 18 anos, entregador de aplicativo.

A situação da covid-19 melhorou, com 67% da população vacinada, mas a escalada de preços o impediu de deixar seu emprego.

"Dá pra tirar uma graninha boa, mas cansa. Dá pra cobrir alguns gastos como o botijão de gás, que estava 50, 60 (reais), e agora chegou a 100", diz.

A fragilidade do mercado de trabalho se reflete, ainda, na remuneração média real (sem inflação), que caiu ao menor nível desde 2012, a 2.449 reais mensais.

Casa própria, um sonho complicado

Bruno, um paulistano de 35 anos que pediu para não ter seu nome revelado, procura um apartamento para deixar a casa do pai no bairro da Lapa.

"Pedi ao banco uma carta de financiamento, onde diz que concederá um crédito a 8,9% ao ano", diz este profissional de comunicação, que deve concretizar a compra em três meses. "Depois, não garantem mais essa taxa", continua.

Embora os bancos ainda não tenham transferido todo o aumento da taxa Selic, segundo explica o especialista em mercado imobiliário Rafael Scodelario, "a taxa de financiamento imobiliário passou de 6,3% ao ano no começo do ano para cerca de 10%", o que diminuiu o potencial de compra.

E vai piorar com uma Selic a 11,5% em 2022, como prevê o mercado, embora no fim a inflação vá ceder às custas do desaquecimento da economia.

Em qualquer caso, não há quem preveja o fim dos problemas econômicos para este ano de eleições presidenciais, com uma previsão de crescimento do PIB de apenas 0,42%.